Imprevistos acontecem, principalmente em relação aos planos das mães
"Criar uma criança é descobrir que você tem uma tarefa árdua, contínua e desgastante diariamente", escreve Ana Carolina Coelho
Imprevistos acontecem. Todo mundo sabe disso, mas ninguém lida realmente bem com o não agendado. A pandemia colocou o imprevisto dentro de nosso cotidiano e nos forçou a viver um dia de cada vez e a fazer planos de curto prazo. Hoje, eu estava conversando com uma amiga que defendia a ideia de que planos de curto prazo são melhores para reduzir as expectativas em relação a um futuro incerto sobre o qual não temos nenhum controle.
Eu, para variar, discordava. Planos são sonhos guias para boas realizações. Alimentam a energia de nossos passos e acertam a caminhada em nossas decisões. Ela concordou. Mas argumentou que existem coisas que são maiores que nós e que precisamos, talvez, aprender a lidar com uma situação de cada vez, conforme forem aparecendo para que tudo não se transforme em um grande acúmulo de expectativas frustradas. Eu concordei. Ambas estamos certas em alguma medida. E logo comecei a refletir no quanto esse diálogo tem tudo a ver com o maternar.
Imprevistos acontecem. Ser mãe é fazer planos, criar expectativas e querer ter o controle sobre o mundo. É fazer afirmações absurdas como “meu filho JAMAIS fará tal coisa” e, como se diz em bom português, pagar a língua vendo a criança fazer o “jamais” e muito mais. E criar uma criança é descobrir que você tem uma tarefa árdua, contínua e desgastante diariamente. Sobretudo por duas razões: primeiro, por mais parecidas que sejam conosco, são pequenas pessoas diferentes de nós mesmas e, em segundo lugar, porque ensinar a viver nos confronta com todas as regras que enfrentamos ou criamos em nossas vidas.
Conheço mulheres que diziam que seriam rígidas na criação e, hoje, são incapazes de uma bronca mais áspera. Outras, que se achavam muito soltas, têm crianças que vivem em rotinas bem esquematizadas. Ou seja, maternar é se redescobrir em seus limites e valores. Todas nós estamos, de alguma maneira, tentando alcançar o que consideramos “o melhor”, com significados diversos e múltiplos.
Imprevistos acontecem. Dias atrás eu briguei com a minha filha mais velha. O cenário é bem simples: algo que eu já havia explicado pelo menos umas 87573292 vezes, já tinha chamado pacientemente a atenção e já tinha conversado com calma. Algo que de novo estava sendo feito “errado”. E, confesso, minha paciência esgotou. Minha pequena ficou triste e brava e começou a argumentar e eu não estava preparada para o argumento: “– Você fala desse jeito porque deseja que eu fracasse quando acontecer e der errado”. Eu parei imediatamente a discussão. Lágrimas brotaram em meu rosto e eu sai da sala, atônita.
Como diz Mônica, uma grande amiga/irmã, minha filha sabe que eu valorizo as palavras, que podem ser tanto afagos quanto armas, quando bem usadas. Fui para o santuário das mães: me recompor no banheiro. Voltei com o rosto vermelho e muito séria e disse: “– Minha filha, não existe ninguém nesse mundo que deseje mais o sucesso, a alegria e a prosperidade na sua vida. Dizer que eu desejo seu fracasso é arrancar um pedaço de mim, porque isso além de incorreto, é uma grande mentira. Eu explico para você o que vai acontecer caso você faça tal coisa, porque eu SEI que essa é a consequência da sua ação. Eu sou mais velha e já vi isso acontecer uma dúzia de vezes. Explicar é querer te ensinar para você não fazer exatamente o que te levará a fracassar. Eu estou te educando. E isso implica em te dizer como a vida funciona.”
Recebi um abraço, vários beijos e um pedido de desculpas sinceros. Ela achava que enunciar a consequência magicamente a consolidava e não falar dela, faria com que o resultado fosse diferente. Ela está crescendo e quer testar suas próprias formas e fôrmas de viver. E fiquei pensativa a tarde toda.
Imprevistos acontecem. Na sequência desse evento, minha mais nova, algum tempo depois veio correndo, entrou no quarto correu na direção de um incenso aceso no alto e atraída pela fumaça, conseguiu se esticar e colocou a mão na pequena chama antes que eu pudesse gritar qualquer aviso. Foi uma cena de segundos: no instante que os dedos tocaram a brasa, ela os recolheu, chorou e imediatamente veio em minha direção. Felizmente, pouco ferida, com apenas uma vermelhidão nas pontas. Já no meu colo, acalentada com beijos e abraços de consolo, eu disse:
– Pode colocar a mão no fogo?
Ainda chorosa, minha flor da manhã respondeu:
– Não! Desculpa, mamãe.
– Só não faça de novo, ok? – e ouvi um murmúrio seguido de um vigoroso aceno de cabeça.
Imprevistos acontecem. Ousada e esperta, ela entendeu na prática a lição teórica que eu já havia igualmente explicado inúmeras vezes. A vida é implacável. Ela trará experiências dolorosas antes que possamos gritar ou defender nossas crianças. E essa linha entre deixar acontecer e proteger é tênue e tem muito a ver com os nossos limites pessoais.
Imprevistos acontecem. Todo mundo sabe disso, mas mães querem que os machucados sejam mínimos na vida de suas crianças. Ensinar como a vida funciona compreende entender, sobretudo, quais valores você considera os mais fundamentais para a existência humana. Maternar é tanto um ato filosófico quanto um agir político das pequenas coisas do cotidiano. É decidir sobre “certos” e “errados”, estabelecer parâmetros e refazer caminhos a todo instante. É fazer planos de curto prazo e ter sonhos para longas jornadas. Há muita beleza e muito cansaço nesse trabalho e um constante revisar de nossas ações e falas. Imprevistos, afinal, acontecem, mas se dependessem de nós, mães, eles também seriam planejados.
Se quiser entrar em contato com Ana Carolina Coelho, mande um e-mail para: ana.cronicasdemae@gmail.com
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