Mães erram. Do momento que sabemos que estamos grávidas, fazemos escolhas que se tornam obsoletas, tomamos decisões que nunca conseguimos cumprir e, acima de tudo, temos a certeza de que queremos o melhor para nossa criança. E mesmo assim, erramos. Porque aquele ser humano que nasce não realiza nossas projeções ou fantasias, porque eles têm um ritmo próprio que, de início, com tantas regras que criamos, ficamos surdas para a melodia daquela vida pulsante em nossos colos. Aprendemos a ser mães no compasso das nossas crias. E aos poucos, a vida ganha som e espaço e seguimos. E voltamos a achar que temos controle da situação e que, finalmente, vamos estabelecer nossas regras. E mais uma vez, caminhamos para o fracasso. Nossos filhos são nossos e do mundo. Bebem das nossas existências e se alimentam das suas próprias vivências, estabelecidas com pessoas-crianças igualmente estranhas a nós.
Somos impelidas a uma comunidade e a um coletivo que sequer conheceríamos, acaso não tivéssemos aqueles seres humanos pequenos como nossas responsabilidades. E todas nós, mães, em geral, miramos no objetivo: fazermos o melhor para nossas crianças e torná-las a melhor pessoa possível. E, acreditem: esse é o caminho para pedras, atropelos e muitas ribanceiras. Realizar essa tarefa completamente sozinha é a receita para o desastre.
As aulas online em tempos remotos tem sido terreno fértil para situações em que as fronteiras entre cuidado e super vigilância são facilmente confundidas. Eu deveria, como professora, agora fazer uma narrativa apaixonada em defesa da autonomia infantil e de como é preciso buscar maneiras de tornar nossas crias independentes em uma atmosfera em que elas sigam sem qualquer interferência de nossas ações. (Desculpe, Montessori!) O que eu vou contar aqui é como as mães, todas nós, somos falíveis e, tentando ajudar, podemos, como diria minha avó “dar com os burros n’água” no quesito independência infantil.
Minha filha mais velha me procurou esses dias em dúvida sobre uma das inúmeras tarefas que ela deveria fazer em tempos de múltiplas atividades remotas. Parecia que havia algo em descompasso dentro dela. Eu entendi o seu desconforto. As sementes de muitas conversas sobre História despertaram uma desconfiança intuitiva que ainda não se expressava em argumentos na minha pequena. Ela se preparou a semana inteira – inclusive com direito à aula em tempo real com uma grande amiga minha historiadora, Paula Sampaio, que teve toda paciência para explicar uma série de elementos importantes de maneira didática e bem humorada – para uma apresentação completamente diferente do que lhe foi solicitado. No entanto, mesmo com toda a preparação, no dia, minha filha de apenas 9 anos amanheceu nervosa. Muito. Eu, atenta, me mantive por perto para ajudá-la e corri em sua defesa, quase imediatamente, quando vi que as palavras lhe faltavam. Uma reação instintiva de proteção possível e terrível pois a sala de aula agora é dentro da minha casa.
A escola invadiu as fronteiras das casas e as famílias adentraram as salas de aula. E como sou professora, achava que estava imune a qualquer interferência nessa situação. Tola e ingênua. Eu sou mãe e minha filha parecia precisar de mim. Foi o suficiente: reagi antes de pensar. Mais tarde, entendi que causei desconforto e estranhamento com minha postura presente em um ambiente na qual as mães deveriam estar “ausentes”. Sei, como professora, que não foi a melhor estratégia. Deixei-me levar pelas emoções e não agi como a melhor versão de mim mesma. Senti-me falhando miseravelmente novamente. Senti, que mais uma vez, eu errei. Uma dor que corta uma mãe por inteiro em pequenos pedaços pontiagudos como farpas de vidro. E fui acolhida por outras mães que me apresentaram palavras críticas e gentis. Mães que, igualmente, querem o melhor para suas crianças. Uma comunidade unida com o mesmo objetivo e diferentes maneiras de agir e pensar. E, de maneira sincera e honesta, podemos ser melhores juntas. Existem dias que são tempestades e pessoas, mães e amigas, que são como abrigos.
Nesse mesmo dia, já no final da tarde, minha filha veio até mim, segurou minha mão e disse: “Mãe, eu estava com MUITO medo e eu ADOREI ter você ali do meu lado! Obrigada!” Eu olhei seus olhos e ela tinha lágrimas de alívio nele. E subitamente, havia lágrimas nos meus também. Entendo, como adulta, que poderia ter usado outras estratégias de ação. Existem dias que parecem haver mais pedras que escavadeiras para nos mostrar o caminho. E somos obrigadas a escalar ou desabar. E mesmo em queda, estamos ao lado de nossas crianças. Incentivando-as a serem melhores que nós, a fazerem do mundo um lugar mais bonito e mais diverso. Minha filha basicamente me agradeceu por errar, porque mesmo não tendo escolhido a melhor maneira de agir, eu estava ao lado dela.
Eu sei que posso fazer melhor e agradeço muito por ter pessoas adultas amigas que me apresentam outras formas de entender a vida, maneiras múltiplas de me expressar e jeitos diferentes de abordar as questões. Minha filha está crescendo e aprendendo a existir no mundo sozinha e isso pode ser muito assustador. Saber que existem outras mães tão comprometidas e respeitosas ao meu lado é um bálsamo ao fardo diário de refletir se estou ou não tomando as melhores decisões na criação das vidas dessas humanas em miniatura. Eu não estou sozinha.
Minha filha é uma flor do cerrado e essa é uma vegetação resistente e, ao mesmo tempo, cheia de intempéries da vida. Ela é alguém estranha ao meu modo de ser e ao mesmo tempo um espelho de mim. Um ser humano cada dia mais independente, cheia de ideias, energia e opiniões. E que basicamente, me agradeceu por “errar” por querer estar por perto, ajudando-a e protegendo-a. Sei que todas as mães que me leram até aqui entendem exatamente essa sensação. Eu errei tentando acertar. Ainda não sei qual a balança que mede essas coisas, mas estou indo dormir com a sensação de que a vida pode ser menos dolorosa quando temos boas companhias. E, às vezes essas ajudas surgem de lugares inesperados e são acolhedoras e bem vindas, posto que sinceras e frutos da mesma origem que o meu erro: a vontade de proteger e acolher as próprias crias. Quanto ao meu erro cometido, cabe conserto e pedidos de desculpa. Minha filha sorrir com a certeza de que tem em sua mãe uma amiga e um alicerce sólido, essa é uma dúvida que ela jamais irá ter. E talvez isso, de tudo que eu farei diferente a partir de hoje, é a única coisa que não mudará.