Quantas vezes você já abraçou com intensidade alguém e sentiu a pessoa constrangida se desvencilhando do abraço? Ou olhou nos olhos, mantendo o olhar, e percebeu o outro desviando? Ou quantas vezes você foi a pessoa que fez isso por se sentir desconfortável com um abraço alguns segundos mais longo ou um olhar sincero que faz com que você se sinta realmente vista, desvendada?
Vejo muito esse processo nos cursos tântricos que conduzo. As pessoas chegam com desconforto até de olhar nos olhos. Depois que as faço ficar mantendo o olhar com outro por vários minutos (algo que no tantra chamamos de tratak), acabam chorando emocionadas porque aquela entrega à conexão fez com que elas se sentissem vistas na sua verdade, essa que elas escondem atrás das personas que incorporam para poder sobreviver. O mesmo se dá com o abraço. No início, fogem dos longos mas, em seguida, cedem e se veem vulneráveis e merecedoras do acolhimento daquele outro que, muitas vezes, ela nem conhecia.
As pessoas têm medo do afeto. O desconforto, na verdade, vem de não aceitar algo que é positivo: o prazer e a sensação de conexão. Isso nos coloca num estado de profundidade maior que parece não ser autorizado no dia a dia por receio de que aquilo “possa parecer outra coisa”.
Se conectar com alguém de forma profunda é das coisas mais potentes e prazerosas da vida, mas por algum motivo nos ensinaram que só determinados tipos de relação merecem essa entrega. Sexo, trocas mais densas ou até palavras de carinho convenientes fluem com mais facilidade. Mas o afeto espontâneo, de coração aberto, alma na cara, isso é constrangedor para muitos. Como se fosse algo para ser guardado única e exclusivamente para as relações amorosas legitimadas pela sociedade.
Não deveria ser assim. Eu sempre falo: vamos legalizar o afeto. Ser carinhosa, dar calorosos abraços em quem você ama, elogiar quando der vontade (mesmo que aquilo pareça que veio “do nada” para quem o recebe), manter o contato pelo olhar sem medo de conectar, se permitir ter uma intimidade gostosa com alguém em uma relação casual ou sem rótulo estabelecido.
Sinto que são essas relações casuais as que mais sofrem com a dificuldade de expressão do afeto. Não é porque você foi carinhosa, porque disse o quanto estava gostando de estar com a pessoa, porque se importou com ela além da troca sexual que você quer casar e ter filhos e ficar para sempre. De novo: por medo de que o afeto pareça ser algo a mais, você fica se controlando e se privando da delícia que é cuidar, ser cuidada, se jogar no conforto da intimidade e da conexão, das trocas verbais e físicas que podem te trazer aquela sensação linda que vem do ato de ver o outro de verdade e ser vista de verdade também. Mesmo que só por uma noite, mesmo que só por uma semana, mesmo que só por alguns minutos.
Afeto não precisa ser nada mais. Afeto é só afeto. E você merece.