São várias as histórias e conversas que poderíamos ter sobre dona Nobue e seu Takeo Kimura. Podíamos falar sobre como cada um dos dois viveu sua vida, no Japão, antes de se encontrarem num banco de escola, em meados da década de 1950.
Ou de como a proximidade neste mesmo lugar, a associação Rikkokai, que oferecia cursos para jovens que queriam vir para o Brasil, os fez se apaixonarem e juntos alimentarem o sonho de migrar para nosso país, num navio que mudaria o curso de suas vidas.
Poderia falar também sobre o que enfrentaram em sua chegada até prosperarem e se fixarem no interior paulista, mas quando a Cristina Emi, a sexta de seus oito filhos, me contou que, aos 86 anos, o pai ainda sentia que tinha uma missão a realizar aqui na terra que os acolheu tão bem, encontrei o ponto dessa breve coluna.
Pois no dia 29 de junho de 2019, seu Takeo saiu para o que talvez fosse sua última aventura, depois de várias que sonhou e realizou. “Ele partiu de seu sítio na cidade de Taubaté-SP, no Vale do paraíba, com meu irmão caçula Yutaka, com uma camionete lotada de mudas de figos, rumo a Tabuleiro do Norte, no Ceará, para plantar figos numa terra que encontrou lá”.
Ainda segundo a filha, o sonho de plantar numa terra grande o trouxe para o Brasil e ele foi bem-sucedido, criou os filhos, mas ainda queria fazer algo grandioso, que fizesse valer a pena a sua vinda e honrar a frase de seu mestre: “Vocês, japoneses, busquem no Brasil um ideal muito maior do que fazer dinheiro, busquem o ideal de mudar, transformar, lugares e pessoas.”
Sua decisão de levar vida e prosperidade para o solo nordestino veio cedo, por volta dos 50 anos, mas a vida deu muitas voltas, como a gente sabe, e só possibilitou a empreitada 36 anos depois, e lá se vão quase dois anos.
A família foi resistente num primeiro momento, mas como as palavras que mais ouviram em casa foram “sonho e esperança”, apoiaram o patriarca. “Achamos, que a felicidade dele indo ao encontro de seus ideais e sonhos até os últimos dias de sua vida era muito mais valiosa do que deixá-lo frustrado como um idoso inválido”, reforça Cris.
Hoje, a família que já soma 42 descendentes diretos (entre 22 netos e 12 bisnetos) segue progredindo e enchendo a paisagem de figueiras frondosas, apesar das intempéries, como o sol, a seca e os 40 graus permanentes do lugar escolhido, e da falta de recursos.
Neste árido ano de 2021, seu Takeo completará 89 anos, em 10 de julho, e dona Nobue, 90 anos, alguns dias depois. Também neste ano, em 29 de dezembro, eles farão 65 anos de casados e já têm planos para o futuro. Querem que os figos do Nordeste cheguem com fama à Europa e aos Estados Unidos e também pretendem criar uma escola e um clube para os filhos das funcionárias – sim, a maioria dos lavradores na colheita da fruta é de mulheres e, quando os 45 mil pés de figos estiverem produzindo, vão precisar de muita mão de obra por lá.
Na vida pessoal, a meta é menos ambiciosa: pretendem viver até 100 anos e completar 75 anos de casados juntos. Essa história, ainda bem, vai virar livro, com riqueza de detalhes, graças ao esforço da filha em ouvir e documentar essa lindeza toda.
*Para ver mais histórias com esta e acompanhar minha “curadoria de avós e avós”, acesse nataliadornellas.com.br ou @nataliadornellas, no Instagram. Ah, e se conhecer personagens que mereçam ter suas contadas, me deixe saber, por favor.