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A convite de CLAUDIA, escritoras refletem sobre temas da contemporaneidade e das vivências femininas

Sereia no lago

"Lembro dela tão singela com seus cachos bagunçados": a cordelista Jarrid Arraes escreve um texto com exclusividade para CLAUDIA

Por Jarrid Arraes
Atualizado em 23 jul 2020, 20h51 - Publicado em 10 jul 2019, 10h00
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 (Moazzam Ali Brohi/Getty Images)
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Lembro dela tão singela
Com seus cachos bagunçados
Um montinho de areia
E os brinquedos arrumados
O sorriso oscilante
Que mudava a todo instante
Refletia iluminado.

Eu olhava da barraca
Esquecendo da leitura
Algo nela me encantava
Era como uma mistura
De um sol que me sorria
Como um raio de alegria
Do oceano, criatura.

Foi então que eu percebi
O que tanto desejava
Quando enfim juntou as pernas
Como a cauda que abanava
E fingindo ser sereia
Deslizava na areia
Tão bonita que dançava.

Minhas férias acabaram
E a memória acompanhou
Muito tempo pensei nisso
Como música ficou
E lembrei de ser criança
Mas não tinha a confiança
Que a sereia demonstrou.

Confiança de ser livre
De viver e interpretar
Mesmo com algum receio
Não deixar de experimentar
Nem olhar se tem risada
Se está sendo analisada
Decidir não se importar.

Veja só que coisa é essa:
Quando a gente vira grande
Tudo fica complicado
Muito sério e implicante
O problema está aqui
A vergonha está ali
Nunca é bom o bastante.

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Mesmo no tempo de férias
Ir à praia é trabalhar
Uma angústia pela busca
Que jamais vai acabar
O corpo? Só o perfeito
Difícil é o conceito
Definir e alcançar.

Mas aqui neste cordel
Quero muito insistir
Que perfeito é somente
O que é livre pra existir
Pra ser pleno, se bastar
Por inteiro se aceitar
E por dentro evoluir.

Imagine que lindeza
Toda a gente se amando
Tudo quanto for mulher
No espelho admirando
Cada marca de história
Que se faz dedicatória
Como um livro completando.

Depois que compreendi
A mensagem da sereia
Escolhi outro destino
Bem distante da areia
Pela neve decidi
E no frio me encolhi
Pra me repensar inteira.

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Foi na beira de um lago
Num silêncio apaixonante
Que me veio uma verdade
Tão profunda e relevante:
Ninguém tem que ser bonita
Se você não acredita
Eu explico neste instante.

Pois o corpo se transforma
E a tudo é vulnerável
Seja a moda ou o cabelo
E a estética comprável
Mas a personalidade
E a sua identidade
Fazem o todo memorável.

Se com admiração
Outra vou elogiar
Muito mais do que “bonita”
Hoje tenho pra falar
“Talentosa”, “inteligente”
“Corajosa e “competente”
Sei também priorizar.

Férias para a sua mente:
Isso possa conquistar
No verão e no inverno
Um amor pra transbordar
Porque só quem se aprova
Quem se ama e se adora
Tem espaço para amar.

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Vou lembrar da garotinha
De suas pernas de sereia
E do seu desprendimento
Ritmado na areia
Também do gelado lago
Que inspirado ao meu lado
Fez da poesia inteira.

 

Jarid Arraes é cordelista e poeta, autora de Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis (Pólen) e de As Lendas de Dandara

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