Alimentamos o costume de guardar cadernos antigos (nossos e das crianças) para aproveitar as páginas em branco como rascunho. Essa semana, alcancei um deles para anotar um sem fim de números de protocolo enquanto tentava mudar meu plano de celular.
Passamos, o caderno e eu, algum tempo juntos e me vi enternecida pelas notas de minha filha mais velha, antiga dona das páginas que folheei durante o tempo em que ouvi as gravações da operadora:
Aula longa!
Sinto frio.
Por que fala tão alto?
Quero continuar fazendo inglês no próximo semestre? Não quero. Posso parar de fazer? Não, mas dou meu jeito.
Não fosse a personalidade tanto de minha caligrafia quanto da dela, tomaria o caderno como meu. Havia ali, um diálogo interno generoso e atento que venho exercitando desde muito cedo. Uma tentativa de legitimar, a ponto de achar que vale registro escrito, o que é dito em pensamentos. Desconfio que por muito tempo, julguei que o hábito fosse invenção minha.
Não é. Óbvio. Tudo bem, não me sinto ressentida. A medida que percebi perder monopólio sobre o jogo, percebi também que, de alguma maneira, transmiti para essa criança a ideia de que discutir o que é nosso com amigos, família, amores é importante, salutar e naturalmente delicioso, mas colocar na mesa de reunião do me, myself and I os pensamentos que nos atravessam é mais do que isso. É se entender como companhia agradável, como um amigo de quem se gosta, se cuida, se quer bem, se escuta. É se reconhecer como agente ativo da própria vida.
Escrever-se. Ler-se. Pensar-se. Quero. Vamos?
Duas reflexões da releitura deste texto:
1. Curioso como ainda acreditamos que tudo que nos parece interessante em nossos filhos é transmissão nossa, não?
2. Semestre que vem, volta para o inglês. Sem negociação.