Fiquei curiosa quando li o release de Entre-laços, filme da diretora japonesa Naoko Ogigami, que estreia dia 17. Por quê? Além de informar os prêmios que a ficção ganhou (um deles no Festival de Berlim), o texto trazia o poema “O Laço e o Abraço”, do brasileiro Mario Quintana.
Feliz escolha. Quintana combina com o espírito do filme, que me amarrou — como um laço faz. Me vi nos braços de Rinko (Torna Ikuta), mencionada no release como mulher trans. Pode-se dispensar a qualificação. Rinko é mulher. Ponto. Com as especificidades que sua personalidade deu a ela. É um ser humano amoroso, gentil, afetivo e intuitivamente maternal. Não há modelos para inspirar-se – pois a mãe de Rinko é um poço de frieza, um tipo estabanado e superficial. A protagonista se entrega à vida que se apresenta para ela, e está feita a sua forma de agir, decidir, querer. Ela tricota para elaborar os sentimentos ruins. Simples assim. E ensina isso à sobrinha do namorado, uma menina de apenas 11 anos, que se vê abandonada pela mãe – uma mulher jovem, mais ligada à noite e à bebida do que à criança que depende dela.
Topei participar do debate que acontecerá após a exibição do filme, na véspera da estreia em circuito nacional. Quero muito ouvir a plateia, saber como sentiu essa história tão delicada. Na bancada estará a cineasta e psicanalista Mirian Chnaiderman, que dirigiu De Gravata e Unha Vermelha. A conversa promete.
O lançamento está atrelado ao Dia Internacional Contra a Homofobia (17/07). Então, é uma boa oportunidade para vivenciar o que a comunidade LGBTQ enfrenta sempre que lhe tiram a cidadania. Sempre que é discriminada ou odiada. Mas vale ver o filme, sobretudo, por se tratar de um banho de humanidade. Os dias têm sido brutos demais, radicais ao extremo, crivados de insatisfação, solidão, desesperança e de falta de amor até dentro de casa. Rinko me parece a antítese de tudo isso. E me chegou embalada no poema O Laço e o Abraço do velho e bom Quintana. Pra quem quer se enternecer, como eu, segue o poema. E também um trecho do filme, que entregamos aqui com exclusividade.
“Meu Deus! Como é engraçado!
Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço… uma fita dando voltas.
Enrosca-se, mas não se embola, vira, revira, circula e pronto: está dado o
laço. É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de
braço. É assim que é o laço: um abraço no presente, no cabelo, no vestido,
em qualquer coisa onde o faço.
E quando puxo uma ponta, o que é que acontece? Vai escorregando…
devagarzinho, desmancha, desfaz o abraço.
Solta o presente, o cabelo, fica solto no vestido.
E, na fita, que curioso, não faltou nem um pedaço.
Ah! Então, é assim o amor, a amizade.
Tudo que é sentimento. Como um pedaço de fita.
Enrosca, segura um pouquinho, mas pode se desfazer a qualquer hora,
deixando livre as duas bandas do laço. Por isso é que se diz: laço
afetivo, laço de amizade.
E quando alguém briga, então se diz: romperam-se os laços.
E saem as duas partes, igual meus pedaços de fita, sem perder nenhum
pedaço.
Então o amor e a amizade são isso…
Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam.
Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço!”
Filme: Entre-Laços
Exibição e debate: Dia 16/05
Hora: 20 horas
Local: Espaço Itaú Frei Caneca, sala 6
Shopping Frei Caneca, Rua Frei Caneca, 569
São Paulo