Na conhecida Vila do Desamparo, uma placa indicava a lojinha que, diziam, tinha de quase tudo. Uma mulher entrou.
– Pois não! O que você procura?
– Ah, um pacote pro Caribe, moça. E um prêmio importante. Uma carreira de sucesso. Uma aliança. Jantares e passeios deslumbrantes.
– Escolhas muito atraentes! Embrulho para desfrutar?
– Não, embrulha pra me salvar.
– Perfeito. Claro que, nesse caso, vai sair muito mais caro.
– Mas tem garantia?
– Nenhuma! Na verdade, essa mercadoria é falsificada. E vem com garantia ao contrário: seus defeitos estão assegurados. Vai querer mesmo assim?
– Hmm… Você tem aí um passado novinho em folha? Quem sabe um saco sem fundo…
– Isso aí não temos. Meu forte são as máscaras. Máscaras de todo tipo, algumas você não precisa tirar nem para dormir. Também vendo doenças. A que mais sai é o ódio incurável.
Enquanto pensava, a moça notou uma porta ao fundo.
– E aquela porta ali? Dá onde?
– Ah, no nosso desfiladeiro.
– Tem um desfiladeiro aqui na vila? Nunca ouvi falar!
– Precisamos melhorar a divulgação… Quer ir lá ver?
– Será?
– Você é quem sabe.
– Bom, então… Então eu vou.
– Leve esse binóculo. Aqui nesse panfleto, você encontra algumas atividades para fazer lá. Elas deixarão sua visita mais agradável.
– Obrigada.
A moça abriu a porta e deu de cara com a ventania, o silêncio e a escuridão. Ela se apoiou em uma grade, olhou lá para baixo e ficou muito impressionada com o que não viu.
Alguns instantes depois, recuperando-se do susto, ela tirou o folheto do bolso. De fato, havia várias coisas para se fazer ali.
A primeira era tomar uma pílula do esquecimento. Parecia bom para quem tinha medo de altura: ir embora como se nunca tivesse chegado. Em letras miúdas, no entanto, estavam os efeitos colaterais do remédio: sensação de esvaziamento, dificuldade para dormir, as mais variadas compulsões e neuroses…
Uma outra opção era se jogar. Ela se aproximou da beira e, com o binóculo, viu lá embaixo vários sobreviventes. Todos tinham um sorriso melancólico no rosto. Não havia nenhuma escada à vista, mas eles pareciam não se importar.
Ela voltou os olhos para o folheto. Também era possível escolher uma das lentes temáticas disponíveis no cesto à sua frente. Resolveu testá-las. A qualidade do 3D era sensacional. Um par transformava o penhasco em um monstro ainda mais assustador do que o penhasco em si, e ela o tirou antes de ser devorada pela ânsia de correr e nunca mais parar. Outro substituía a paisagem por um palhaço que não parava de contar piadas, e ela o tirou antes que engasgasse de tanto rir. Outro, ainda, fazia com que ela se enxergasse em um ringue de boxe, e de repente ela começou a lutar com o ar.
– Acho que vou embora – ela comentou com a vendedora, por fim, voltando para a loja.
– Você não vai se jogar lá embaixo?
– Não, não.
– Ah, então você tomou a pílula do esquecimento! É minha opção diária.
– Também não.
– Você só viu e resolveu ir embora?
– Isso.
– Mas… Você sabe que o desfiladeiro vai continuar aí, não sabe?
– Sei, sim. Ô se sei.
– E como você vai voltar a tocar sua vida, agora que sabe?
A moça pensou um pouco.
– Vou tentar seguir aceitando que vi o que não vi. Acho que é isso.
Ela saiu da loja e a vendedora, tomando sua pílula de esquecimento do dia, passou a tarde pensando: é cada cliente estranho.
Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve semanalmente no site. Para falar com ela, mande um e-mail para liliane.prata@abril.com.br