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Coluna da Liliane Prata

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Maternidade: o que aprendi sobre os julgamentos

Para começo de conversa, só descobrimos como é ter um filho e que mãe nós somos depois que a criança nasce

Por Liliane Prata Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 1 jun 2017, 18h10 - Publicado em 1 jun 2017, 17h41
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  • “Não é todo mundo que nasceu para ter filho. Se é para ser assim, então melhor não ter”. Esta semana, li esse comentário em uma notícia postada no Facebook. A notícia era sobre uma escola que oferece serviços não muito comuns para facilitar a vida dos pais, como lavar o uniforme e vender papinhas congeladas para que, no fim de semana, eles não precisem cozinhar. Coloco aqui “eles”, mas a maioria dos comentários era culpando a mãe, claro. Trocar fraldas, amamentar, esses aprendizados da maternidade costumam ser simples – difícil mesmo é caminhar com alguma tranquilidade sob a tempestade de críticas. “Não é todo mundo que nasceu para ter filho. Se é para ser assim, então melhor não ter”: ah, se fosse tão simples. Mas as pessoas que dizem isso não se lembram de que só se sabe como é ter filho depois que se tem filho.

    Às vezes, você tem certeza de que quer ser mãe e de que tudo dará certo, mas aí o bebê nasce e você vê que tudo é bem diferente do que pensava. Você se planejou para determinado orçamento e perde o emprego. Ou você não planejou bem o orçamento. E instala-se um forte estresse entre você e o fluir do tal “amor incondicional”. Você pensava que ficaria tranquila quando seu filho estivesse com a babá, mas você fica nervosa, chorando. Você acreditava que a maternidade a preencheria de uma forma que não preencheu, e se culpa por não se encaixar na nova vida. Ou você tinha certeza de que o pai do seu filho dividiria de igual para igual as tarefas e as preocupações, mas ele não divide. E aí, além de sobrecarregada, você se sente desrespeitada, injustiçada, ou simplesmente raivosa, mesmo. Ou, na gravidez, você tinha certeza de que daria conta de tudo – e aí você descobre que não dá. Pode ser que você contasse com o fato de deixar seu filho na casa dos avós ao ir para o trabalho. Mas, quando você começou a fazer isso, a relação com seus pais ou sogros se revelou difícil, pesada e até abusiva. Ou você achou que seu filhinho nasceria saudável, mas não nasceu, e aí dá-lhe remédio misturado com hospital, preocupação, frustração e tempo encurtado.

    Tudo isso e muitas outras coisas podem acontecer. Ter filho é uma das realidades que mais rapidamente se contrapõem ao ideal. E aí a mãe vai ter que se virar para se ajustar à realidade, por amor ou por dever, e fazer o melhor que ela consegue. Não é o melhor de outra pessoa, é o melhor dela.

    No caso das mães que são pobres, o cenário é ainda mais sofrido. Um dia, eu e uma manicure no salão choramos juntas quando ela me contou o perrengue para cuidar sozinha dos dois filhos quando eles eram pequenos. Quantas vezes ela recebeu olhares tortos por, estressada, ter se estressado com eles. Certa vez, um deles se queimou e ficou com uma cicatriz, porque ela não deu conta de olhá-lo enquanto cozinhava e arrumava a menorzinha, que precisava deixar na creche logo mais. Também já chorei com uma mãe endinheirada, cujo marido simplesmente não abria mão dos interesses dele para cuidar do filho, apesar das belas fotos que ele adorava postar com o pequeno nas redes sociais. Basicamente, o sujeito mantinha a mesma vida de antes, enquanto a dela parecia do avesso.

    Enfim, depois que os filhos nascem, as possibilidades são muitas. Quando tive minha filha, aprendi que há toda uma imprevisibilidade que não cabe em comentários do tipo “Não é todo mundo que nasceu para ter filho. Se é para ser assim, então melhor não ter”. E também tem outra coisa que aprendi.

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    Vamos supor que uma mãe faça algum comentário, nas redes sociais ou fora delas, sobre ter filhos. Essa mãe desabafa sobre algum problema que está enfrentando, ou divide alguma alegria que viveu na maternidade, ou simplesmente comenta sobre algo da rotina dos filhos, sobre como está sendo amamentar ou não amamentar, sobre alguma comidinha que preparou, um passeio que fizeram, o tipo de festinha que deu, a hora em que eles costumam dormir, a hora em que acordam, como ela se organiza quando está no trabalho. E então…

    A conhecida que é jornalista freelancer e faz sua própria agenda critica o fato de essa mãe, que trabalha em escritório, não pode fazer um esquema home office e gasta uma hora e meia para ir e uma hora e meia para voltar do trabalho, ter babá ou deixar o filho um tempão na escola. O conhecido que não faz ideia do que é o puerpério não entende como ela fica tão nervosa ao cuidar de um bebê de dois meses, ora, o bebê é tão fofinho, ora, ela não queria tanto ser mãe? A colega que é mãe solteira, mas que mora em um confortável apartamento emprestado pelos pais, não entende como ela, que anda suando para pagar o aluguel e brigando por conta de dinheiro toda noite com o marido, “não consegue se organizar para ir à academia”. O fulano cujo filho dorme a noite toda tem certeza de que é por uma falha dessa mãe que o dela não dorme. O casal que manteve a vida sexual ótima mesmo com filhos pequenos acha mimimi os que se estão enfrentando problemas nesse departamento. Eles têm outros problemas, estão passando ou já passaram por dificuldades diferentes, mas não estão se lembrando disso. Mais fácil recriminar outras pessoas que estão, à sua maneira, tentando tocar suas vidas.

    Até minha filha completar um ano, um ano e pouco, eu alternava na minha cabeça duas fortes constatações: “Melhor coisa que fiz na vida foi ter filho” e “Não devia ter tido, não estava preparada para ser mãe”. Era uma oscilação muito intensa e angustiante. Tagarela que sou, desabafava em detalhes com o pai da minha filha e meus amigos, e me senti muito acolhida. Aliás, uma grande amiga minha que não era mãe foi uma das que mais me acolheram. Esse amor que recebi fez a maior diferença para mim. Me senti mais empoderada e feliz. Por outro lado, os comentários duros e críticos que recebi de algumas pessoas na época, algumas próximas e outras nem tanto, não me ajudaram em nada. Foi o amor que fez diferença para que eu conseguisse me sentir mais confortável com a maternidade e me tornasse a melhor mãe que eu posso ser.

    Minha crise com a maternidade passou, e hoje essa área é, talvez, a mais bem-resolvida na minha vida. Amo minha filha, amo ser mãe dela, e tenho até certa dificuldade para desenterrar essas memórias – vai saber como será o dia de amanhã, como vou lidar com os desafios de quando ela for adolescente, se ela vai se mudar para a Austrália e vou ficar deprimida, mas há tempos tudo entre nós anda simples e bom. Mas esse é o meu caso. Neste instante, provavelmente tem alguma mãe perto de você que está profundamente angustiada com a maternidade. E, se você puder ouvi-la, ajudá-la a pensar em boas saídas para o que está dificultando a vida dela… Do que ela precisa? Meios de chegar mais rápido ao trabalho? Psicólogo de baixo custo? Ideias de cardápio? De planejamento financeiro? Uma boa babá? Ela só quer dar uma volta no sábado e precisa de alguém para ficar com o filho? (Poderia ser você?). Às vezes, uma mãe está tão imersa nos problemas que não consegue ver soluções, e quem está do lado de fora, se não estiver focado em apontar as limitações e dificuldades dela, pode ajudar. Não pode fazer nada? O simples ato de ouvir com amor e respeito em vez de julgamento já será uma ajuda de grande valia.

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    Ajudar é o ponto. É isso que aprendi. Se pudermos ajudar uma mãe, façamos isso. Construtivo não é recriminar, mas ajudar.

    Às vezes, o melhor de uma mãe não é suficientemente bom para você, às vezes não é suficientemente bom para mim, às vezes não é bom para muitas pessoas. Mas ser mais um no mar dos que ficam apontando o dedo dificilmente vai tornar a vida dela ou a dos filhos mais fácil.

    Liliane Prata é editora de comportamento de CLAUDIA e escreve semanalmente aqui no site. Para falar com ela, mande um e-mail para liliane.prata@abril.com.br

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