Todo mundo já sabia como era bom ter um animal de estimação, mas eu só fui descobrir isso agora, aos 36 anos. A mãe de uma colega aqui de CLAUDIA tinha castrado uma gata de rua e perguntou se alguém queria. Há um bom tempo, minha filha, de cinco anos, vinha me pedindo uma gata (não podia ser um gato, ela especificou o gênero). Já não dei a irmã que ela me pedia, já me separei do pai dela, puxa, custava tanto assim arranjar uma gata? Topei. E, no dia marcado para pegá-la na casa da minha colega, lá estava eu, turista curiosa, mas meio perdida, andando pelos corredores estrangeiros da Cobasi da rua Augusta, entre rações e casinhas, caixas de transporte e mini-cortadores de unha, me dando conta de que quase todo mundo que eu conhecia já tinha sentido ou, ao menos, testemunhado o amor por um cão ou gato (ou cacatua, ou hamster, já não duvido de nada).
Foi isso que acabou me pegando de surpresa. Me familiarizei rapidamente com a caixa de areia, a ração, o miado e os encontros, às vezes suaves, às vezes súbitos, pela casa. Levei, e principalmente dei, alguns sustos ao quase pisar algumas vezes naquele ser novo zanzando ali na cozinha, na sala, no banheiro. Mas minha entrega à Lulu (Lua/Gabriela/Penélope – minha filha a batizou com esses quatro nomes) é que foi de fato um gesto nada calculado, um tropeço. Seja por uma pessoa ou por um gato, o amor sempre começa com um tombo.
Já tinham me avisado sobre as melhores marcas de ração e de areia. “Deixa a caixa de areia longe da comida”, frisou uma amiga. “Até a janela alta do banheiro precisa de tela, acredite em mim”, lembrou outra. Mas ninguém me falou do que aconteceria naquela noite de segunda-feira, com a nova moradora completando três semanas em casa.
Eu tinha chegado da redação bem cansada. Foi um dia cheios de boas entrevistas e cafés, mas também de pepinos, uma discussão besta com alguém querido e uma série de notícias, ah, as notícias sempre cansando a gente no jornal e no Facebook. Minha filha dormia e, antes de fazer o jantar e pegar uma taça de vinho, acabei me deitando no chão do meu quarto. Com as costas sobre as tábuas fresquinhas naquela noite abafada, fechei os olhos, relaxei, e então ouvi a Lulu se aproximando.
Abri os olhos e vi que ela me olhava fixamente. Eu nunca tinha sido olhada fixamente por nenhum gato. Devolvi um olhar que eu nunca tinha lançado a animal algum. Ficamos ali, sustentando o olhar uma para a outra, sustentando, sustentando, até que comecei a chorar. Eu poderia dizer que chorei porque foi muita coisa junta, o cansaço, o dia, a força de uma troca de olhares até então inédita para mim, a força cada vez mais inesperada com que toda experiência inédita nos atropela – o tempo vai passando e a gente acha que já sentiu tudo, mas só acha, porque sempre é tempo de sentir coisas novas, e eu ainda tinha completamente intocada a minha capacidade de me tocar por um gato.
É mais honesto, porém, dizer que não sei bem por que chorei, eu que de repente me vi ali olhando para aquela gata e sendo olhada por ela, nós duas unidas por um não pensar em nada, por um não medir sentimentos e um não dar nome às coisas, nós duas sem falar nem tirar conclusões, apenas vivendo, apenas sendo.
“Você não faz ideia de como é difícil ser gente, né, Lulu”, eu disse, finalmente me rendendo às palavras e à minha humanidade, agora acariciando o pescocinho dela, e imediatamente me sentindo presunçosa e patética – ora, ela não faz ideia de como é difícil ser gente e eu não faço ideia de como é ser gato, eu, que nem sei por que tinha me deitado naquele chão, para início de conversa.
Dei um suspiro profundo, acariciei a Lulu mais um pouco e fui cuidar de sua comida, depois da minha comida, e agora de nossas vidas, a minha, a dela, a da menininha de cinco anos que dormia a alguns metros de nós.