Escrevo numa lan house e estranho o teclado. Em verdade, estranho tudo. Erro os caminhos, me perco dentro das lojas, não sei mais o nome das pessoas e faço perguntas que soam ridículas. Mas não acho isso ruim. Descubro novos lugares e às vezes sinto cheiros que me são familiares: a padaria próxima à casa da minha avó, as flores da avenida, os temperos do mercado municipal e a chuva nos alpendres.
Não estou na mesma cidade em que nasci e também não sou mais a menina que pegou um ônibus e foi embora há 28 anos. Tudo mudou, eu mudei. Do que então temos saudade? De algo que não existe mais. Sempre que uma amiga ou um amigo sofre de amor, costumo dizer: a pessoa que você está deixando (ou que te deixou) não é a mesma com
que você se casou.
Ontem fui visitar uma amiga de infância e ela me apresentou seus filhos. Um menino de 17 anos e uma menina de 14. Duas pessoas incríveis, amorosas, inteligentes e companheiras. Minha amiga contou coisas que aconteceram com ela nos últimos anos. Chocante é pouco. Contei muita coisa também. Não choramos. Nosso humor sarcástico nos manteve altivas durante o café com bolo. E a verdade – desculpem a imodéstia – é que estamos muito bem, para surpresa de todos.
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Aprendi aqui a não reclamar demais, não sofrer em demasia e seguir pela estrada quebrando pedras e colhendo flores ao mesmo tempo, algo tão feminino. Somos mulheres; nossa força ainda é um mistério.
Minha família toda mora aqui, longe de mim, e por isso criei outros laços ao longo da vida. Mas a intimidade mora em lugares estranhos. A voz da minha mãe, idêntica à minha, suas mãos tingindo meus cabelos e seu sorriso adorado dizem que estou em casa, mesmo não estando mais.
As ruas aqui são quentes, o sol escaldante e minhas roupas escuras não combinam com a paisagem. Mas dou risada de tudo isso. Olho para a cidade como uma estrangeira encantada e peço licença o tempo todo.
Acho que estou em casa, tento acreditar, repito em pensamento: “Estou no lugar onde nasci”. Mas não estou. Esse lugar não existe mais; por isso toda essa confusão. Vou aos bares e me apresentam como alguém daqui. Subo ao palco para cantar e me anunciam como uma filha da terra. Então me sinto à vontade ao mesmo tempo que não sei me comportar. Penso que nunca soube.
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Olho a cidade hoje e vejo que ela é muito mais legal do que quando eu estava aqui. E muita gente que eu conheço tem responsabilidade nisso. Fizeram desse lugar uma cidade mais livre e mais bonita.
Além disso muita gente de fora veio para cá. Não era assim antes. E eu sempre gostei de imigrantes e migrantes; não à toa, sou uma. A cidade se mexe com eles, fica mais plástica, ganha belos sotaques estranhos, e muitas outras formas de viver neste lugar passam a existir. E eu não conheço nenhuma delas. Ainda me perco; no entanto, acho bom me perder aqui.
Nessa cidade, que agora é imensa, duas coisas nunca mudaram: meu melhor amigo ainda mora nela e o céu é incomparavelmente belo. Então vou até a varanda, olho para cima, tenho muita saudade do que estou vendo e finalmente me sinto em casa.