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Bloco de Notas, por Lorena Portela

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Autora do sucesso "Primeiro Eu Tive que Morrer", Lorena Portela é cearense, escritora e jornalista. Vive em Londres, mas a cabeça mora aqui, no Brasil.
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Livro e decotão: está liberado ser cult e gostosa?

Uma reflexão sincera sobre as caixinhas machistas que nos colocam enquanto escritoras

Por Lorena Portela
15 mar 2023, 07h41
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  • Personagem 1: autora consolidada, livros de sucesso de público e crítica, lista respeitada de prêmios, um estilo de escrever original e inconfundível. Nada a provar a ninguém, desde sempre, mas minimizada numas panelinhas aqui e ali porque gosta e não faz questão de esconder de usar minissaia e decote. Personagem 2: escritora, professora, doutora, crítica literária, não se sente à vontade de, estando na praia, postar uma foto em que apareça usando maiô.

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    Personagem 3: eu mesma, essa que vos escreve, apenas começando a trilhar um caminho, primeiro livro publicado, currículo mirrado ainda, mas já questionada durante o aniversário de uma amiga se eu seria a autora que haviam mencionado, porque fui pega com a bunda arrastando no chão, enquanto demonstrava minhas nem tão impressionáveis habilidades ao som de Anitta.

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    Não sei se dá pra perceber onde quero chegar, mas, para complementar, deixo aqui uma frase que a atriz, jornalista, escritora, apresentadora e podcaster Maria Ribeiro disse em uma entrevista há tempos: “cansei de ser cult, quero ser gostosa”. Pois é, Maria sabe, eu e você sabemos, que é uma coisa ou outra. Ou escreve livro ou posta foto de biquíni numa conta pessoal do Instagram, vale destacar. Ou ganha prêmio ou gosta de rebolar a raba. Ou participa da Flip ou bota o decotão pra jogo. No meio literário, me parece que esses espaços são bem delimitados e os exemplos citados não coexistem harmonicamente, num ambiente em que convencionou-se que o intelecto deve ser travestido de boa dose de sisudez. 

    Acontece que quem escreve livro é uma pessoa. Tem um corpo e, às vezes, não está interessada em escondê-lo. Cede ao prazer de se sentir bonita num dia de luz boa. Ou é adepta do biscoitismo. Ou é só safada mesmo. Dança, mostra, trepa, goza. Acontece que essa pessoa, alvo de maior perversidade para supresa de ninguém, somos nós, mulheres. Como se já não bastasse termos nossos desejos e sexualidade tolhidos, criticados e supervisionados a vida inteira, agora devemos performar sem pausa a escritora inglesa do século XVIII porque é assim que silenciosamente manda a cartilha das academias. E dentre tantas crueldades que atingem artistas mulheres que colocam seus trabalhos no mundo, essa é mais uma que nos esburaca: a de ter trabalhos invalidados por conta do colo bronzeado ferindo a figura idealizada do que é ser intelectual. 

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    Não acho que esse é um problema que atinge apenas autoras, mas qualquer mulher em profissão considerada mais cabeçuda. Juízas, advogadas, jornalistas, professoras, autoridades políticas e por aí vai. Lembra da primeira-ministra da Finlândia dançando em uma festa e, de tão horrorizados que os críticos ficaram, ela teve que se submeter a exame toxicológico?

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    Só mulher drogada se diverte? O que existe de tão ameaçador na mulher que simplesmente vive? O que existe de tão ofensivo em ser uma fêmea com um corpo, livre, com desejos, ou com tesão, com vontade de dançar, com a graça de saber todas as coreografias do É o Tchan? As questões ficam ainda mais estranhas se considerarmos que, geralmente, o júri que nos aponta o dedo e nos sentencia não é formando pelas perpétuas sentadas na primeira fila da paróquia do bairro, mas por gente que lê, estuda, debate, filosofa, subverte e questiona um pouco mais do que a média.

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    Lygia Fagundes Telles, um dos maiores nomes da literatura brasileira, disse certa vez numa entrevista que foi criticada pelos seus colegas porque sorria, era simpática, vaidosa, e que, talvez por isso, corria o risco de não ser levada a sério como escritora. E aqui estamos falando de um sorriso, não de umbigo de fora. Quem definiu a caixinha do que é sério? O que tem dentro dela? Com quantos homens, cuspes machistas e falso moralismo se faz uma caixinha dessas?

    E se a gente tirasse o chamado intelecto desse lugar mitológico, essa figura hiper protegida e deixássemos as mulheres escritoras, advogadas, mestras e cientistas se mostrarem como bem quiserem, terem múltiplas versões de si mesmas, e nos concentrássemos apenas no que elas criam e produzem? Melhor: e se simplesmente deixássemos as mulheres em paz, hein? 

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    Imagina aí. 

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