Chega o mês de março e, com ele, chovem sugestões de pautas, indicações de palestrantes para eventos, descontos especiais para mulheres e recomendações de presentes. A data virou negócio há tempos, e carecemos de grupos comprometidos em mudar a triste realidade que é ser mulher em pleno 2018. Principalmente quando falamos em mulheres pobres, negras, LGBTs.
Somos mais da metade da população deste planeta e mães da outra metade. Somos chefes de família e muitas de nós saímos de casa, lá atrás, antes mesmo de se ouvir falar em mulheres no mercado de trabalho, para atuarmos no campo e em outras casas. Somos fortes por natureza e por necessidade. Mas ainda vivemos em uma realidade repleta de violências, abusos, preconceitos e marginalização.
Segue uma lista de coisas que quero que NÃO EXISTAM:
Mulheres sofrendo violência –física, verbal, moral- por serem mulheres
Assédio, exploração sexual, estupro, tortura, violência psicológica, agressões por parceiros e/ou familiares, perseguição, feminicídio – são inúmeros os tipos de violências que as mulheres sofrem diariamente. Os números são dolorosos de encarar*: no Brasil, a cada 2 horas, uma mulher é assassinada. A cada 5 minutos, dois espancamentos. A cada hora, 503 vítimas de agressão.
A motivação de toda essa violência vai além da cultura machista, que permeia todos os âmbitos da sociedade. Se pararmos para analisar a história do Brasil, ainda em época de colônia, a legislação dava aos homens o direito de assassinar suas esposas. Vivemos 388 anos em um regime escravista, em que negros eram tratados como coisas e o estupro legitimado. Passamos ainda por duas ditaduras, na qual a violência foi institucionalizada, inclusive contra as mulheres. Por fim, o nosso Código Civil (1916 – 2002) considerava as mulheres casadas como incapazes (pasmem!). Este contexto histórico mostra o quão difícil é quebrar a estrutura vigente.
Mulheres estupradas por serem mulheres
O Brasil registrou em 2015 um estupro a cada 11 minutos. Se você se chocou fazendo as contas, saiba que o panorama é ainda pior. Estima-se que apenas 10% dos casos são registrados e contabilizados, ou seja, a taxa brasileira de estupro beira meio milhão. 70% das vítimas são crianças e adolescentes.
Lembra daquela pesquisa do IPEA, na qual 26% dos entrevistados concordaram com a afirmação “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”? Somos punidas por nossa decisão individual de escolher uma roupa que gostamos, por nossa orientação sexual, por nossa raça.
Mulheres assediadas nas ruas e com direito de ir e vir impedido
Já parou para pensar que nosso direito à cidade é comprometido? Dificilmente você encontrará uma mulher que nunca tenha sido assediada verbal ou fisicamente nas ruas, transporte público ou táxis. As campanhas #ChegadeFiuFiu e #MeuMotoristaAssediador evidenciaram relatos de toda a parte do Brasil. E não é “mimimi”. No Estado de São Paulo, de 2012 a 2017, as denúncias de assédio sexual no transporte público cresceram 650%. Elas ocorrem em ônibus, metrôs, trens e rodoviárias.
Com o recente surgimento dos aplicativos de transporte particular, tem chovido manifestações nas redes sociais e denúncias oficiais contra motoristas. Ano passado, a escritora Clara Averbuck publicou um relato sobre um estupro sofrido dentro de um carro a serviço do Uber. Após o caso, outras mulheres se posicionaram publicamente sobre situações semelhantes.
Mulheres como minoria em cargos políticos e liderança nas empresas
É um círculo vicioso: precisamos evoluir no quesito políticas públicas e ações afirmativas para mulheres. Mas como avançar se os cargos responsáveis pelas decisões são tomados, em sua maioria, por homens brancos?
Um estudo realizado em fevereiro deste ano pela Consultoria McKinsey afirma que ter mulheres em cargos de liderança aumenta em 21% a chance de uma empresa ter seu desempenho financeiro acima da média. Ainda assim, temos 37%** de mulheres em cargos de gerência. Tratando-se de cargos executivos, o número cai para 8%. O cenário é gravíssimo quando fazemos um recorte de raça: apenas 1,6% das mulheres negras são gerentes***, e só 0,4% participam do quadro de executivos.
No âmbito da política, representação feminina foi considerada uma das mais baixas do mundo. Segundo dados colhidos em 190 países pela União Inter-Parlamentar, o Brasil está em 116º nesse quesito, atrás de países como Arábia Saudita, em que apenas recentemente a mulher obteve permissão para dirigir. Dá para ter uma noção? No Senado, temos 12 mulheres entre os 81 eleitos. Já na Câmara dos Deputados, ocupamos 50 cadeiras no total de 512 parlamentares.
Meninas sendo proibidas de estudar e obrigadas a casarem
“Um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem mudar o mundo” – A frase é de Malala Yousafzai, ativista paquistanesa pelo direito das meninas ao estudo e sobrevivente de um atentado que sofreu, aos 15 anos, realizado pelo Talibã. O Paquistão é um dos 70 países onde meninas são agredidas por desejarem estudar.
No Brasil, o acesso à educação é direito constitucional, no entanto, temos 2,4 milhões de crianças e adolescentes fora da escola, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. Este número afeta as crianças em situação de vulnerabilidade social, assim como o casamento infantil, realidade também presente no Brasil, já que somos o 4º país com o maior número de meninas que casam antes dos 18 anos.
Garotas que se casam cedo demais frequentemente não podem ir à escola e estão mais propensas a sofrer violência doméstica, abuso e estupro. Elas engravidam e são expostas a doenças sexualmente transmissíveis.
Nada contra as flores e os chocolates
Nesse Dia da Mulher, e em todos os outros, gostaria de convidá-los/as a refletir sobre todos os dados que temos escancarados em nossa frente. Será que um presente comprado pela pressão comercial, para sair bonito na fita, é o suficiente? É o que queremos? Não digo que são proibidos os agrados, nada disso. Mas a melhor lembrança é a consciência de que só será possível mudar esse cenário quando aquilo que aflige o outro nos afligir também, quando pararmos de nos acomodar em nossos privilégios.
Seguimos em frente!
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* Dossiê Violência contra as Mulheres, Instituto Patrícia Galvão
**IBGE, 2016
*** Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades