Na cultura americana, alguns criminosos entraram para o imaginário cultural de forma tão popular que ainda hoje há historiadores que se surpreendem. Quem contribuiu bastante para esse fenômeno (além da imprensa) foi Hollywood, transformando as histórias em “Robin Hoods” ou anti-heróis, mas heróis.
Não é difícil de entender o apelo. No árido e violento período do faroeste, Billy The Kid, Butch Cassidy, Sundance Kid e Jesse James eram mercenários e assaltantes, mas vinham da parte da população menos assistida e passaram a ser vistos como vingadores invertidos. Não foi diferente no duro período da recessão dos anos 1930, onde os gangsteres ocuparam esse espaço. Das várias “lendas” dessa época havia um casal de jovens que até hoje inspiram canções, teses, séries, filmes e musicais: Clyde Barrow e Bonnie Parker.
Bonnie e Clyde roubaram bancos e mataram pessoas sem pestanejar, mas foram vistos como Romeu e Julieta do crime, jovens inconsequentes que foram mortos violentamente em uma emboscada da polícia antes de completarem 25 anos de vida. Dos vários filmes sobre essa história talvez o mais famoso seja Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas, de 1967 (antes de seguir, vamos combinar que o subtítulo é puro spoiler!). Dirigido por Arthur Penn, estrelado por Warren Beatty e Faye Dunaway, é considerado um dos mais icônicos do final dos anos 1960 porque trouxe para as telas um realismo ainda incomum para os filmes na época. E é essa produção que é a base do musical que está em cartaz no Brasil traz Eline Porto e Beto Sargentelli nos papéis título. Flavia Viana fala da produção na coluna dela aqui em CLAUDIA, mas aproveito esse espaço para compartilhar histórias da produção que é referência para estudantes de cinema até hoje.
Para quem conhece a “verdadeira” história de Bonnie Parker e Clyde Barrow vai logo perceber que a simplificação da narrativa eliminou ou alterou fatos importantes (como o primeiro casamento de Bonnie e até como os dois se conheceram), mas apostou na busca pela fama como motivador principal dos crimes que cometeram. Bonnie e Clyde formaram uma gangue que assaltava bancos e pequenas lojas durante o período da Grande Depressão americana. De alguma forma, chamaram a atenção da imprensa e, por três anos, enquanto eram perseguidos pela polícia, viraram os anti-heróis mais falados do país.
Juntos mataram pelo menos 13 pessoas, 9 delas policiais. Foram traídos pelo pai de um de seus comparsas e foram violentamente executados com tantos tiros que os corpos ficaram irreconhecíveis. A cena é uma das mais icônicas registradas em filme, que usa também as imagens que ficaram eternizadas por uma série de fotografias que foram encontradas, junto com algumas poesias escritas por Bonnie e que foram publicadas nos jornais. Os bastidores de Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas foram conturbados. Uma das primeiras produções de Warren Beatty, custou a achar seu diretor até fechar com Arthur Penn. Quando Warren decidiu interpretar Clyde acabou gerando uma procura acirrada para substituir a Bonnie original, sua irmã, Shirley MacLaine, que por obvias razões não poderia fazer par romântico com ele.
O ator queria Natalie Wood ou Julie Christie, mas sem que aceitassem o desafio, testou Jane Fonda, Sharon Tate e Leslie Caron antes de fechar com uma desconhecida Faye Dunaway. Dizem as más línguas que Warren e Faye não se entenderam nas gravações e que até hoje mal se falam. Tanto que, quando foram chamados para entregar o Oscar de Melhor Filme em 2017, o ano em que “Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas” completou 50 anos, a falta de comunicação entre eles contribuiu para não evitar a gafe do erro da cerimônia que anunciou erradamente o vencedor como sendo La La Land.
Warren teve que enfrentar o dono da Warner, Jack Warner, que não acreditava no projeto e não deixou que a produção fosse gravada propositalmente em preto e branco. Acertou, porque as cores realçaram o sangue nas cenas de tiros, algo que não era comum ainda. O sucesso do filme foi tão grande que rendeu mais de 70 milhões de dólares apenas nas bilheterias. A narrativa dá mais enfoque à tortuosa história de amor dos dois como um casal em fuga, mas o estilo foi fortemente influenciado pelo nouvelle vague do cinema francês. A violência e as cenas de sexo (que hoje não são nada!) chocaram o público da época e para evitar censura ou críticas, a sexualidade de Clyde foi “atenuada”. Em vez de bissexual, como imaginado no roteiro, passou a ser impotente, um tabu para Warren Beatty que era sex symbol naquele tempo.
Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas virou um clássico instantâneo. Faye Dunaway está lindíssima e seu visual e figurinos, assinados pela estreante Theadora Van Runkle, viraram uma febre no início dos anos 1970s. Theadora tomou uma decisão ousada de ignorar a recomendação se usar chiffon nas roupas de Bonnie e decidiu realçar o lado perigoso da jovem misturando peças vintage com saias médias de corte enviesado em crepes e tweeds. Sucesso absoluto. A boina que a personagem usava virou uma peça assinatura da atriz por muitos anos depois do filme. Aliás Faye e a estilista se entrosaram tão bem que repetiram a dobradinha na noite do Oscar, onde a atriz foi uma das mais elegantes com um longo preto assinado por Theadora, que trabalhou com Faye no filme em Crown, o Magnífico também. Falando em Oscar, a estilista foi uma das 10 indicações que o filme recebeu que incluíam também Ator (Warren Beatty), Atriz (Faye Dunaway), Filme, Direção (Arthur Penn), Atores Coadjuvantes (Gene Hackman e Michael J. Pollard) além das duas vitórias: melhor fotografia e Melhor Atriz Coadjuvante: Estelle Parsons.
Se estiver em São Paulo e puder conferir o musical, não perca! E como certamente terá curiosidade de rever – ou ver – o filme, fica a dica: ele está disponível no HBO Max.