Série “The White Lotus” fala de conflitos pessoais com sátira e mistério
A produção da HBOMax mostra dilemas entre gerações e realidades sociais distintas com um agravante: o isolamento na natureza
Trabalhar em home office me deu a oportunidade de fazer uma imersão em conteúdo ímpar e, com a chegada no mercado de tantas plataformas de streaming, consegui maratonar clássicos, novidades e séries sem moderação.
Além disso, participo de comunidades virtuais com encontros para discutir, elaborar ou antecipar conteúdos, trocando ideias com pessoas dos quatro cantos do globo.
No meio desse grupo, percebi que estavam falando bastante de The White Lotus, da HBOMax. Não sei bem a minha razão inicial de resistência, mas entrei no loop a partir do segundo episódio e agora estou viciada.
O resort The White Lotus parece lindo de fora, mas há algo muito estranho por dentro. A chegada é como se fosse a Ilha da Fantasia – literalmente –, mas quase imediatamente identificamos as diferenças.
Para quem não lembra, a Ilha da Fantasia foi uma série de muito sucesso (e temporadas) nos anos 1970. Na produção, Ricardo Montalban era Mr. Roarke, o misterioso gerente de um resort onde quem poderia pagar, viveria “na vida real” (apenas por um fim de semana) a ilusão de um sonho jamais realizado.
O resort ficava no Havaí e os hóspedes chegavam em um avião fretado, sendo recebidos pessoalmente por Roarke e seu assistente, o Tatoo.
A fórmula da série era a mesma: sem limites para a imaginação, com algum drama controlado, o hóspede frequentemente concluía ao fim da estadia que os sonhos não eram melhores do que sua realidade.
O resort The White Lotus também fica no Havaí, mas, em vez do pequeno avião, os hóspedes chegam de barco e são recebidos pelo gerente, Armond, e sua equipe.
Em meros dois segundos, percebemos que o paralelo intencional entre a Ilha da Fantasia e White Lotus também quer deixar claro as diferenças entre Armond e Mr. Roarke. A instabilidade e problemas pessoais de Armond colaboram para o início de um ciclo destrutivo.
Para piorar, os convidados são problemáticos e o isolamento com a natureza aparentemente está despertando o pior deles, em vez do melhor. A fantasia está mais para pesadelo.
Com um elenco de primeira, The White Lotus tem grandes interpretações mas, acima de tudo, um grande texto. Criada, escrita e dirigida por Mike White, ela trata de tema atuais que estão fervendo.
O fato de juntar tantos opostos em um local isolado só pode dar em tragédia, o que aliás, é algo que sabemos logo de cara que acontece, só não sabemos com quem.
Entre personagens masculinos complexos e em crise, as mulheres seguram a estrutura. Temos as maduras Molly Shannon e Connie Britton em papéis antipáticos, porém mordazes.
A naturalidade com que navegam entre os conflitos de gerações, as diferenças sociais e a quase psicopatia fazem das duas um dos destaques da série.
Já Alexandra Dandario é a jovem mulher em crise por se ver forçada a ter que escolher entre o casamento ou a carreira, mesmo em pleno século 21.
As adolescentes millennials, Sydney Sweeney e Britanny O’Grady, também seguram as cenas com tanta veracidade que é difícil separá-las das personagens. Tudo está tão bem amarrado em um espiral viciante.
Um dos destaques da narrativa é o uso da trilha sonora, do chileno canadense Cristobal Tapia de Veer, que, com instrumentos de sopro e percussão, pontua a tensão crescente.
The White Lotus não é para estômago fraco. É uma série incômoda, mas completamente viciante. Fica o aviso!