Antes de mais nada aviso que neste texto há spoilers da série WandaVision e do filme Mulher-Maravilha 1984. É que a série da Disney+ tem uma conexão com a heroína do DC Comics que não pode ser comentada sem revelar segredos importantes. Então, repito, spoiler alert!
A responsabilidade de salvar o mundo e defender a Terra ou sua cidade de perigosos alienígenas ou de bandidos transforma a vida dos heróis em uma jornada frequentemente solitária. Afinal, o objeto de amor deles pode revelar sua vulnerabilidade. Porém, aparentemente, são as mulheres que têm menos chance de sucesso no campo afetivo. Pelo menos é o que podemos concluir com o filme e a série que esbarram com o mesmo dilema.
No campo Marvel estão Wanda Maximoff e Vision. Do lado DC Comics, vemos Diana Prince (Mulher-Maravilha) e Steve Trevor. As duas heroínas sofreram com a dor da separação definitiva, sem reparação. O que resta a elas diante da morte do amado? Sonhar com uma realidade paralela, cujas consequências não acenam com nenhuma alternativa além de sofrimento. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
O filme Mulher Maravilha 1984 traz uma Diana Prince solitária, quase quarenta anos depois de ter se juntado aos humanos. Não é uma solidão que possa ser resolvida com um novo amor, até porque desde que Steve Trevor se sacrificou para salvar o mundo no primeiro filme, ela claramente decidiu não encarar mais uma vez a mortalidade de um parceiro.
No entanto, a oportunidade de ter Steve de volta se apresenta com um objeto que atende a desejos, se os pedir. Sem planejar, a Mulher Maravilha se envolve em um jogo perigoso com os efeitos que ameaçam a estabilidade geral. Em um momento, ela desabafa que salva as pessoas sem pedir nada em retorno porque gosta de ajudar, mas ter Steve com ela é a única coisa que pede. Não queria abrir mão do que parecia ser algo tão simples. O clássico drama de ter que escolher entre o dever e o amor.
Na série WandaVision, que acontece em algum momento depois dos eventos do filme Vingadores: Endgame, vemos Wanda Maximoff e Vision se esforçando para levar uma vida normal em Nova Jersey. Para ressaltar a estranheza da situação, a série é ostensivamente datada como os sitcoms dos anos 1950.
A charada se sustenta até o quarto episódio, com algumas coisas que não fazem sentido antes da grande (e ótima) virada. Quando fica claro o que está acontecendo, o brilhantismo da narrativa ganha peso, assim como o nome da série que une Wanda e Vision para dizer “A Visão de Wanda”.
Nela, a felicidade romântica de uma vida perfeita a dois é tão falsa e cômica como a TV vendeu por décadas. Piora quando, para alcançar a felicidade matrimonial, a mulher é diminuída. Embora banque a dona de casa inexperiente (citação de A Feiticeira, que brinca também com o fato de Wanda vir a ser a Feiticeira Escarlate), Wanda é uma das mais temidas heroínas Marvel, assim como a igualmente solitária Capitã Marvel. Escrevo a coluna antes da conclusão da primeira temporada, mas os sinais de que Wanda pode não conseguir o que quer estão bem claros.
O que WandaVision e Mulher Maravilha 1984 parecem sugerir indiretamente é que ainda falta muito para a felicidade das mulheres heroínas poder ser plena. Ao contrário dos heróis masculinos, que geralmente “optam” por se afastar das amadas (ok, há algumas mortes na vida deles também), as mulheres acabam por ter que lidar com perdas irreversíveis.
Para elas não é dado o privilégio da escolha. Ou o mundo é feliz, mas elas estão sozinhas, ou elas são felizes e o mundo desaba. Até a Viúva Negra também está no time das heroínas solitárias. Mensagem subliminar ou verdadeira?
Será demais ter uma heroína que lute, salve a humanidade, mas que possa também ser feliz no amor? Não precisa ser histriônico como o sitcom de Wanda e Vision, nem sofrido como o de Diana Prince e Steve Trevor. Afinal, se o sonho completo é negado até à Mulher Maravilha, o que as “meras mortais” podem esperar? Pelo visto, o superpoder do amor ainda é visto como impossível. Tomara que a mensagem mude…