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Ana Claudia Paixão

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A jornalista Ana Claudia Paixão (@anaclaudia.paixao21) fala de filmes, séries e histórias de Hollywood
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“O problema dos 3 corpos” (e da falta de esperança)

Duas mulheres decepcionadas com a humanidade traçam um destino desafiador. Ficção, claro, com o protagonismo feminino onde não queremos

Por Ana Claudia Paixão
30 mar 2024, 15h00
série O Problema dos 3 Corpos
"O problema dos 3 corpos" é um dos sucessos do mês da Netflix (Netflix/Divulgação)
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Em um fim de semana de Páscoa, geralmente resgatava algo de fé ou curioso do universo religioso, mas em 2024 estou mais impactada com a ficção científica que justamente se opõe à ela, mas que demanda algo mais difícil, que é manter a esperança. Por isso, fiquei aqui pensando que ainda não li o livro O Problema dos 3 Corpos, mas desconfio que não terei como adiar. Depois de devorar a primeira temporada da série na Netflix fiquei com algumas questões que amigos que leram o original “reclamaram” da adaptação realizada por Dan Weiss e David Benioff, a dupla conhecida no universo de séries como “D&D”, mas estranhamente conectada à obra que os fez famosos também.

Acompanho a marca “D&D” com muita curiosidade pois os dois, por conta da febre de Game of Thrones, foram de “gênios” a “incompetentes” na velocidade da luz, sendo alvo de uma perseguição cibernética implacável ainda hoje (faz parecer a pressão da Princesa Catherine uma piada).

Os dois são sobreviventes e inteligentes, e souberam adaptar com perfeição a complexa obra de George R. R. Martin. Só tiveram problemas quando a fonte dos livros acabou (antes do fim da série), e por isso é que confio no que estão fazendo com o livro de Liu Cixin atualmente.

Sim, há a decisão curiosa de alterar importantes fatores em uma história que lida com a precisão da ciência e o mundo imaginado de extraterrestres (para mim, no mesmo campo de dragões, mas, para muitos, algo possível), como o de transformar um único personagem em cinco, mas não é problemática se funcionar para uma narrativa maior.

D&D são bons contadores de história. Ao trazer cinco personagens, ampliam a possibilidade de nos conectarmos com a série, não estão reescrevendo o livro.

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Porém, o que me reconectou com GOT, além de ter a mesma equipe técnica (da trilha sonora à diretora de casting), e até alguns atores, é que mais uma vez a revolta de uma mulher determina o futuro de um planeta. Deus, D&D gostam de provocar o público feminino com a vara curta!

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Daenerys Targaryen, de “Game of Thrones” (Max/Divulgação)

Apenas se você for um E.T. não ouviu falar em Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), a principal personagem de Game of Thrones, que passou sete temporadas liberando escravizados e prometendo um mundo melhor e mais justo para todos apenas para, no penúltimo episódio, ter um rompante de “nah, dane-se” e sair queimando tudo e todos para pegar a coroa.

É a simplificação máxima e exagerada do que aconteceu, mas próxima do que os fãs consideram problemático (não estou nesse grupo).Em O Problema dos 3 Corpos, de forma não linear, conhecemos a jovem Ye Wenjie (Rosalind Chao), cuja decisão de fazer contato com os alienígenas que vão destruir a Terra é semelhante à Daenerys queimando King’s Landing.

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Há muitas personagens femininas interessantes na série da Netflix, mas Wenjie está no livro e na TV e é o ponto principal da trama. É uma personagem complexa com uma história rica que molda suas ações ao longo do romance e da série.

Quando jovem, a astrofísica é forçada a testemunhar a execução pública de seu pai durante a Revolução Cultural da China, onde já tem uma forte desilusão com a humanidade.

Para piorar, após a morte de seu pai, Ye Wenjie é enviada para um campo de trabalhos forçados e de lá é recrutada para trabalhar em um projeto militar ultrassecreto conhecido como Base da Costa Vermelha, onde se torna a primeira humana a fazer contato com uma civilização alienígena, os Trissolarianos.

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Ye Wenjie (Rosalind Chao) jovem (Netflix/Divulgação)
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Mesmo sobrevivendo à grande dor, ela passa por mais traições e, com isso, sua visão de mundo vai sendo moldada como reação a esses traumas, congelando seu coração e esperando cada vez menos da sociedade e dos homens.

Há, paradoxalmente, desespero e esperança. Ao “convidar” os trissolarianos para virem à Terra, ela aposta que eles tragam uma nova e melhor ordem mundial. O problema é definir o que é “melhor” quando ela sugere a clara aniquilação dos homens.

É uma personagem profundamente conflituosa, disposta a arriscar o futuro da humanidade porque nada que tenha testemunhado poderia ajudá-la a pensar de forma diferente.

Manter a fé nas pessoas e no futuro não é responsabilidade feminina, mas é a segunda vez que a ficção coloca no ombro de mulheres essa responsabilidade de fazer a decisão certa.

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Calma, embora Wenjie já tenha plantado a semente da salvação e que exista outra personagem mulher trabalhando para salvar a todos, fica a ironia do momento: Wenjie em seu “dracarys” científico nos coloca em uma posição incômoda de entendê-la, mas não ter contra argumentos suficientes para convencer que há esperança.

Daenerys, em cima de seu Dragão, vendo uma população a rejeitando e escolhendo uma tirana em seu lugar também foi um momento polêmico.

Portanto, me vi essa semana refletindo sobre as metáforas de histórias tão distintas, tão reais e tão distantes. Embora Ye Wenjie não queira explicitamente que os alienígenas matem humanos, ela está disposta a aceitar isso como um resultado potencial de suas ações.

Quantas de nós não podemos identificar esse momento em nossas vidas? Diferentemente de Daenerys, que não se arrependeu e foi assassinada, como já falei, Wenjie já plantou a semente para salvar os humanos.

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Vou guardar o spoiler para outro momento, só quero deixar a porta aberta para quem for acompanhar as temporadas futuras. Numa Páscoa tão “normal” como a dos anos pré-pandêmicos, o problema literal ainda está em manter a esperança nas pessoas.

Espero de coração que consiga, porque vale a pena. Nós valemos a pena. Feliz Páscoa!

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