O centenário de Ava Gardner
Nascida na véspera de Natal, a lendária atriz americana ainda é sinônimo de autenticidade e beleza
Mesmo com uma indicação ao Oscar e um fã clube apaixonado, Ava Gardner sempre disse que nunca se considerou realmente uma atriz, como deixou claro em uma entrevista em 1985. Sua lendária franqueza nem sempre era bem compreendida, e tão conhecida como seus olhos verdes, cabelos pretos e voz rouca.
Ela sabia de sua beleza, mas até isso não levava à sério. Indomável era um dos “adjetivos” usados para ela em vida e chamada como o grande amor da vida de Frank Sinatra, era, sem questionamento, uma das mais belas estrelas reveladas por Hollywood. Nascida na véspera do Natal em 1922, ou seja, há 100 anos, é meu tema da coluna da semana.
Ava começou a trabalhar em filmes aos 19 anos, sem nenhum treino ou aspiração, e só parou de atuar quando morreu, aos 67 anos, de pneumonia, em seu apartamento em Londres. Na época era uma doença recorrente contra a qual lutava há vários anos, mesmo depois do derrame que sofreu em 1986.
Com uma filmografia de mais de 60 títulos, Ava jamais foi considerada versátil, mas sua beleza e magnetismo eram inegáveis, mesmo em tempos nos quais convivia com lendas como Rita Hayworth, Marilyn Monroe ou Lana Turner. A fama despertou interesse nos fãs e sua vida amorosa agitada fez história.
Namorou o milionário Howard Hughes (como apareceu no filme “O Aviador”, onde foi interpretada por Kate Beckinsale), foi casada três vezes (Mickey Rooney, Artie Shaw e Frank Sinatra) teve romances com toureiros e outros atores, além de ter sido musa de Ernest Hemingway. Teve uma vida fascinante e ainda mais interessante porque não tinha papa na língua: com palavrões e uma sinceridade ímpar, era o sinônimo de autenticidade, algo “perigoso” em uma mulher de seu tempo.
Nascida em uma pequena cidade do sul dos Estados Unidos, Ava Lavinia Gardener cresceu em uma fazenda em Smithfield, Carolina do Norte. Caçula de cinco filhos, teve uma infância muito pobre e sonhava apenas em casar e ter filhos, trabalhando como estenógrafa para ajudar em casa. Mas uma visita a Nova York com sua irmã, mudou tudo. Seu cunhado era fotógrafo comercial e tirou vários retratos dela. Um deles chamou a atenção de um caça-talentos que enviou uma cópia para a Metro Goldwyn Mayer. Não demorou que fosse chamada para um teste e fosse contratada.
Com um salário de por semana, teve aulas de dicção para perder o sotaque caipira, enquanto trabalhava como modelo. Seu primeiro filme foi em 1942 e seguiu com papéis pequenos até 1946, quando estrelou ao lado de Burt Lancaster o clássico noir “Os Assassinos”.
O mundo se apaixonou por Ava no papel de Kitty Collins, uma mulher sedutora e implacável, a partir daí para sempre associada à sua imagem. Filmes como “A Deusa do Amor”, onde cantava o clássico “Speak Low” e “Show Boat” (onde foi dublada quando cantou “Can’t Help Lovin’ That Man”), passando por “As Neves de Kilimanjaro” e “Mogambo”, virou chamariz para bilheterias. Seu filme mais famoso foi “A Condessa Descalça”, mas foi com “Mogambo” que recebeu sua única indicação ao Oscar. Foi a produção na qual surgiu uma amizade inabalável com Grace Kelly, o oposto dela em temperamento ou imagem.
Insegura como atriz, Ava gostava da noite de Los Angeles: bebidas, festas, música faziam parte de sua rotina. Se casou com Mickey Rooney com apenas 19 anos e se separou em menos de dois anos. O casamento com Artie Shaw também foi curto (apenas um ano), com a atriz terminando a relação após um colapso nervoso, mas foi a grande paixão por Frank Sinatra que tornou uma lenda em Hollywood.
Embora tivessem cruzado em festas, o relacionamento entre eles só começou em 1950, quando a carreira do cantor estava em declínio. A química e a intensidade do amor dos dois rendiam brigas e reconciliações extremamente públicas, com os dois se casando em 1951 depois que ele conseguiu se divorciar da primeira mulher, um escândalo na época.
Ava e Frank ficaram 6 anos casados e foi para ela que ele escreveu a clássica “I’m a Fool To Want You”, eternizada na voz de Billie Holiday. A letra fala do amor por uma pessoa infiel e o frágil casamento das estrelas chegou ao fim quando a ficção se tornou realidade. Isso porque enquanto gravava “E Agora Brilha o Sol”, onde interpretou a impetuosa Lady Brett, uma sedutora de toureiros, Ava se apaixonou de fato por um.
O amor dos dois era tão forte que, mesmo divorciados, ela e Sinatra ficaram amigos, com direito, segundo Ava contou em sua biografia, a encontros ocasionais pelo resto de suas vidas. “Na cama nunca nos desentendemos”, ela explicou no livro. Depois de Frank, nunca mais voltou a se casar.
A bebida nunca a impediu de trabalhar, mas ela mesma reconheceu em sua biografia que prejudicou sua aparência e saúde. Aos poucos foi aceitando fazer mais trabalhos fora dos Estados Unidos, e, por conta das vantagens fiscais, acabou se mudando de vez para Europa, dividindo seu tempo entre Londres e Madri. Quando precisou de dinheiro, escreveu sua autobiografia (“Era isso ou vender minhas joias. Sou apegada às joias”, disse na época), mas, aos poucos foi se isolando e evitando ser fotografada.
“Fui vítima da imagem”, disse ela em uma entrevista. Assim como Rita Hayworth se queixou mais tarde, o peso de ser um ícone de beleza se revelou uma armadilha cruel quando envelheceu. Ava Gardner faleceu em Londres, em 25 de janeiro de 1990. Muitas emissoras, como a TV Globo, elegeram o filme “A Condessa Descalça” para homenageá-la.
Embora sua personagem, Maria Vargas, tenha muito de Ava, como uma mulher que cresceu na pobreza e se tornou símbolo sexual internacional foi na verdade inspirada em Margarita Cansino, mais conhecida como Rita Hayworth. Não importa. Imortalizou a essência de quem foi Ava Gardner, a mulher que viveu sua vida e seus amores sem jamais se render a um homem. Sempre autêntica.