Sou especialista no universo de Game of Thrones e estou há dois anos contando os dias para a estreia do spin off, House of the Dragon, prevista para menos de 30 dias quando estiver lendo essa coluna. Vai ser incrível.
Aqui em CLAUDIA já entrevistei com exclusividade a figurinista Michele Clapton sobre o premiado trabalho dela na série original, assim como divaguei sobre o impacto do movimento do #metoo na narrativa de GOT, afinal, ainda é o maior desafio para a nova série: como contar uma história sobre uma sociedade patriarcal e medieval com os valores e mensagens atuais?
Os livros de George R.R. Martin que foram adaptados para Game of Thrones são da virada do milênio, quase duas décadas antes das mudanças culturais que deram força ao feminismo moderno. Enquanto a série e os livros ressaltavam o absurdo da violência contra as mulheres, aos poucos, precisou se ajustar. De coadjuvantes e passivas, elas ganharam protagonismo, impactando o desenvolvimento do arco de personagens como Jon Snow e Tyrion Lannister, “mocinhos” tradicionais que, de inteligentes e nobres, passaram para covardes e despreparados. Sansa e Arya Stark se beneficiaram com o novo momento, representando no final o ideal feminista de apoio mútuo e de liderança.
Por sorte o tema central do conflito e que será a base da HOTD é justamente o que fala com a questão de equidade. Evitando spoilers ao máximo, a história circula em torno da reação em Westeros (onde se passa a história) quando o Rei Viserys I, que não tem herdeiros homens, escolhe sua filha, Rhaenerys, para sua sucessão, quebrando a tradição da lei sálica (o código legal da Idade Média no qual nenhuma mulher poderia ascender ao trono). Sem escapar a ironia de que o próprio Viserys só virou rei porque antes dele a herdeira natural era uma mulher, ao mudar a tradição milenar com boas intenções, semeia a guerra civil que quase destruirá sua família.
Isso mesmo, como avisam no trailer: os homens preferem matar e morrer do que ter uma mulher no trono. O drama familiar vai ter muito sangue e fogo, com 17 dragões, muito ressentimento e ambição. O trailer lançado essa semana comprova a grandiosidade do conteúdo, com uma qualidade de produção de cinema, mas feito para streaming e TV. Para quem leu os livros, incluindo Sangue e Fogo, que é o mapa da série atual, sabe que o autor brinca com percepções.
A história é narrada por vencedores, que não têm isenção de avaliar nem suas falhas ou a motivação dos “inimigos”. E mais ainda, é contada por homens, o que não beneficia as mulheres. A vantagem da série é justamente de não ter esse problema, veremos os fatos como eles são. Mas fica uma dica importante: embora House of the Dragon não seja chamada de Game of Thrones, é ainda o mesmo jogo. O objetivo de todos é estar no Trono de Ferro. Alianças e casamentos só têm esse mesmo objetivo e nenhuma personagem tem outra motivação. Bem típica do jogo de poder!