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Ana Claudia Paixão

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A jornalista Ana Claudia Paixão (@anaclaudia.paixao21) fala de filmes, séries e histórias de Hollywood
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Hollywood em Greve: uma Revolução existencialista? Entenda o movimento

Depois de mais de 60 anos, atores e roteiristas voltam a se unir em protesto e demandam revisões de valores. Logo em Hollywood?

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 21 jul 2023, 13h29 - Publicado em 21 jul 2023, 11h49
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  • Não me escapou em nada a ironia de que justamente no dia 14 de julho de 2023 uma greve tenha tentando reverter um cenário econômico injusto esteja escrevendo a história na indústria do entretenimento. Nada menos do que 234 anos separam um movimento do outro, mas enquanto a Revolução Francesa tinha a guilhotina como aliada/ameaça, os roteiristas e atores de Hollywood têm – em tese – apenas prestígio.

    A tecnologia faz da Inteligência Artificial a arma da oposição, por isso muitos chamam o movimento como Revolução Existencialista. Seria mesmo? Vale entender as razões das Greves dos Roteiristas e dos Atores nos Estados Unidos porque a vitória deles pode mudar muita coisa no mundo de hoje.

    O que significa o efeito imediato das paralizações? Claro, que nenhum projeto em andamento ou para começar, segue em frente. E o que já estava pronto? Vai ao ar ou entra em cartaz, mas não terá entrevistas, tapetes vermelhos, posts em redes sociais, participação em premiações ou festivais de cinema. Zip. Nada. Blackout social enquanto a greve estiver em vigor.

    Para Fran Drescher (nossa eterna The Nanny), atual presidente do Sindicato dos Atores, o que está em pauta é o basta à ganância em um cenário onde o secular modelo de negócio não reflete mais a realidade dos avanços tecnológicos. “Se não nos levantarmos agora, todos estaremos em perigo. Não dá para mudar o modelo de negócio tanto quanto mudou e não esperar que o contrato mude também”, disse ela.

    A resposta dos Estúdios, representados pela Alliance of Motion Picture and Television Producers é dura: “Lamentavelmente, o Sindicato escolheu um caminho que levará a dificuldades financeiras para incontáveis milhares de pessoas que dependem da indústria”, eles retrucam. Como se as dificuldades – que são realidade há anos – não fossem relacionadas justamente por que as regras estão defasadas.

    O histórico é irônico. Há pouco mais de 60 anos, as duas categorias se uniram para revisar termos e condições diante da “ameaça da televisão”. Naquele momento, ainda nos anos 1960s, definiram as regras de divisão de resíduos para reprises e exibições de filmes, entre outros ganhos que estão presentes até hoje. A briga pode até parecer ser a mesma, mas é mais complexa.

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    O questionamento é também sobre transparência (streaming se recusa a compartilhar dados de visualização para que seja a métrica para definir a divisão de royalties por bom desempenho, por exemplo), assim como revisar os valores previstos em contrato com janelas que deixaram de existir ou são impactadas pelas plataformas digitais, e, acima de tudo, é sobre a possibilidade da IA substituir todos: atores, roteiristas, técnicos e quem sabe mais quem.

    Os roteiristas foram os primeiros a engrossar a conversa, parando os trabalhos no dia 2 de maio. Desde então, apenas algumas produções que conseguiram se manter funcionando porque já tinham roteiros fechados ou já estavam rodando. Ainda assim, apenas as que estão fora dos Estados Unidos seguem gravando, como House of the Dragon e O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder, que conseguiu fechar sua segunda temporada antes da greve e pode ser que seja lançada ainda no tempo previsto.

    Mas as gravações de Gladiador 2, mesmo em Marrocos, foram interrompidas por ter atores americanos sindicalizados no elenco. Essa paralisação afeta diretamente os resultados na segunda metade do ano para os estúdios e plataformas. As demandas do grupo incluem, entre outras, aumentos percentuais nos níveis de salário mínimo, aumentos substanciais nos limites de contribuição para pensões e planos de saúde e um aumento de 76% nos resíduos estrangeiros pagos por programas de streaming de grande orçamento, além de estabelecer regras para limitar o uso de IA.

    Lembram do episódio Joan é Terrível de Black Mirror e a reação de Salma Hayek quando percebe que ganhou pouco para ter a imagem dela no programa? Só que é real, atores temem que suas imagens digitais sejam usadas sem sua permissão ou compensação adequada, como vimos na série da Netflix.

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    Os estúdios tentam alegar que é questão de timing, que nesse momento pós-pandemia, onde ainda não recuperaram os bilhões de dólares investidos, seria muito cedo para falar em redistribuição de renda. Tanto a Disney, como a NBCUniversal, e Paramount, entre outros, perderam centenas de milhões de dólares em streaming no último trimestre, demitindo milhares de funcionários ao redor do mundo.

    Até porque mesmo que o consumo online tenha aumentado, o movimento corroeu a receita de anúncios de televisão, que sempre sustentou o negócio. Sem esquecer que as vendas de ingressos foram interrompidas por mais de um ano e que ainda estão sofrendo para subir, mesmo com a abertura dos cinemas depois da pandemia. Não está fácil pra ninguém! Entre as principais demandas estão:

    Durante a pandemia, em vez de participarem de uma entrevista pessoal, atores passaram a gravar trechos eles mesmos em casa e alguns investem em iluminação, cenário e figurino, por isso Sindicato teme que esteja surgindo um novo padrão que faça a categoria assumir os custos que são responsabilidade dos estúdios.

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    Enquanto os atores foram solidários aos escritores, o Sindicato dos Diretores até contemplou a chance de se unir a eles, mas efetivamente escolheu como classe não paralisar, afinal resolveram a ratificação deles à parte. E essa discussão de tecnologia influenciando e mudando o consumo nem é nova, tem mais de 20 anos, desde que os sinais da distribuição digital sugeriram que havia alternativas mais rápidas e baratas para fazer dinheiro, tirando receita da distribuição do cinema, dos vídeos domésticos e até do cabo premium.

    O que hoje os estúdios sabem é que o vilão do streaming não rendeu o dinheiro imaginado e já se ajustou no mercado. Sim, tirou as fatias de vídeo e cinema, mas os estúdios ainda estão gerando receita. O existencialismo seria o fato de que o que se pede nem é distribuir igualmente a riqueza, só querem garantias de distribuição decente de valores, para garantir a sobrevivência.

    O que está em pauta, de alguma forma, é reduzir a toxidade do mercado. Os atores estavam em plena negociação quando saiu na imprensa que a estratégia dos executivos seria deixar os roteiristas “passarem fome” para só começar a conversa quando tivessem a maior vantagem. A coisa ficou muito feia agora.

    Tecnicamente, a IA pode sim assumir muitos lugares hoje ocupados exclusivamente por humanos, pedir uma reflexão para estabelecer regras não é nada além de razoável. A conclusão dessa greve vai impactar outras indústrias e negociações trabalhistas, sem dúvida. Estamos testemunhando uma revolução inédita, algo fascinante e apavorante.

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    Hollywood, sempre ela, traz glamour e holofotes para o problema, mas de longe não é nem a única ou a principal de ter que lidar com a questão. Li em um artigo a citação do que David Letterman disse em 2008, quando houve a greve dos roteiristas: “Depois de meses ouvindo sobre como é terrível que os escritores queiram ser pagos, para poder se sustentar depois de fazer bilhões de dólares com todos esses estúdios e empresas de streaming, agora vamos ouvir sobre como os atores são péssimos por quererem
    salários justos”.

    Pois é. Se fala tanto em saúde mental, em sororidade, em um mundo menos tóxico e desacelerado. A hora é essa. Viva a revolução!

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