Ginny & Georgia: a coragem de retratar traumas familiares
Grande sucesso na Netflix, a série explora com profundidade temas importantes sobre saúde mental de forma sensível e corajosa

O sucesso de Ginny & Georgia se deve à uma combinação de folhetim, boas atrizes nos papéis título e, acima de tudo, a coragem de representar adolescentes com uma honestidade rara. Uma espécie de The Gilmore Girls mais ousada e personagens que não são fáceis de gostar. Ainda assim, uma vez comece a ver a história delas, tenha certeza: vai ficar presa até o final. E sempre tem surpresa. Mas, o mais importante, é que se a história é novelesca e exageradamente dramática, há delicadeza e seriedade para abordar os vários temas psicológicos tantos dos adolescentes como da relação complexa de mãe e filha.
Só para lembrar: Ginny & Georgia estreou em 2021 e mostra a intensa relação entre a adolescente Ginny Miller e sua mãe, Georgia, uma mulher carismática e impulsiva que viveu uma juventude marcada por abusos, pobreza e violência. Na 1ª temporada, mãe e filha se mudam para a pacata cidade de Wellsbury em busca de recomeço, mas logo segredos do passado de Georgia — incluindo mortes suspeitas de ex-parceiros — começam a vir à tona, afetando a estabilidade emocional de Ginny, que recorre à automutilação para lidar com a pressão.
A 2ª temporada aprofunda esses conflitos: Ginny inicia terapia e tenta se reaproximar da mãe, enquanto Georgia encara o peso de seus traumas e tenta manter o controle sobre a vida da família. Ao mesmo tempo, o relacionamento de Ginny com o vizinho Marcus passa por altos e baixos marcados por questões de saúde mental, e a fachada perfeita da família começa a ruir diante de investigações e confrontos dolorosos. A série oscila entre o drama adolescente e o thriller psicológico, sempre com uma carga emocional intensa centrada em traumas, maternidade e sobrevivência.

A terceira temporada de Ginny & Georgia mergulha ainda mais fundo nos temas que a tornaram um fenômeno: as contradições de uma maternidade marcada por traumas, o impacto psicológico intergeracional, e a delicada linha entre proteção e controle. Nesta nova leva de episódios, os criadores da série — com a showrunner Sarah Glinski à frente — optaram por enfrentar, de maneira corajosa e sensível, as consequências emocionais dos atos de Georgia, ao mesmo tempo em que aprofundam a jornada de Ginny rumo à emancipação emocional.
Vou pular os spoilers e detalhes da temporada que acabou de estrear e ressaltar justamente a qualidade dos temas que bordam entre os adolescentes. Em vez de recorrer à espetacularização, a série escolhe o caminho da interiorização: somos levados a entender as motivações da personagem, não para absolvê-la, mas para compreender as raízes de sua destrutividade. Essa abordagem ganha força graças à atuação de Brianne Howey, que entrega sua versão mais complexa e devastadora da personagem. A Georgia da terceira temporada é carismática, sim — mas está à beira do colapso. O que parecia controle absoluto se revela uma fachada precária para dores mal resolvidas, estratégias de sobrevivência herdadas de uma infância brutal e uma adolescência marcada por abuso e abandono.
Muitos espectadores e críticos especulam se Georgia teria algum diagnóstico clínico, como Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) ou outro tipo de transtorno de personalidade severo. Embora a série nunca rotule a personagem com um diagnóstico específico, suas ações — impulsividade, manipulação, medo intenso de abandono, dificuldades em manter relacionamentos estáveis, mudanças bruscas de humor, além de um histórico de trauma — refletem muitos dos critérios associados ao TPB. A criadora Sarah Lampert afirmou em entrevistas que Georgia não foi escrita com um transtorno específico, mas como alguém que desenvolveu mecanismos extremos de defesa diante de uma vida marcada por dor. Sarah Glinski reforçou que o foco não é o diagnóstico, e sim a forma como Georgia tenta — e falha — em romper com os ciclos que a formaram.
Essa recusa em simplificar a personagem é um dos grandes méritos da série. Georgia não é uma vilã nem uma heroína: ela é alguém que sobreviveu da única forma que conhecia, e que, ao tentar proteger os filhos, perpetua padrões de destruição. A terceira temporada explora isso com especial ênfase, principalmente nas cenas entre Georgia e Ginny, que agora tenta estabelecer limites emocionais mais claros. A saúde mental de Ginny, que já vinha sendo tratada com seriedade desde a primeira temporada, ganha novos contornos com sua decisão de continuar a terapia, encarar traumas do passado e construir uma identidade que não esteja apenas em oposição à da mãe.

O cuidado da equipe criativa com o retrato da saúde mental é evidente em diversos momentos. A presença de profissionais especializados nos bastidores ajudou a garantir que temas como automutilação, depressão, ansiedade e abuso psicológico fossem abordados com responsabilidade. A relação de Ginny com a terapeuta, por exemplo, evita clichês e mostra a importância da escuta ativa, da validação emocional e da construção de autonomia.
Outro destaque da temporada é a evolução do núcleo de Marcus, que continua a lidar com a depressão de forma profunda e honesta. A série não oferece soluções mágicas, mas insiste na importância da comunicação, do apoio entre amigos e da conscientização sobre saúde mental entre jovens. O cuidado com os detalhes — como os silêncios entre diálogos, os gestos de desconforto físico, a oscilação nos ritmos — reforça a autenticidade dessas experiências.
Com sua estética leve e ritmo ágil, Ginny & Georgia poderia facilmente cair na armadilha de tratar temas complexos de forma superficial. Mas a terceira temporada mostra que, por trás do humor ácido e das reviravoltas dramáticas, há um compromisso real com a verdade emocional. Ao não rotular Georgia, mas, ao mesmo tempo, mostrar as consequências devastadoras de seus traumas não tratados, a série convida o público a refletir sobre as muitas formas de dor que se escondem sob sorrisos perfeitos. E, ao acompanhar a jornada de Ginny — e agora também de Austin — rumo à cura, nos lembra que romper ciclos é difícil, mas possível.
Mais do que um drama familiar, Ginny & Georgia se consolida, nesta temporada, como um retrato corajoso e complexo da saúde mental na vida cotidiana, sem romantizar o sofrimento e sem condenar quem erra tentando acertar. Uma série que, finalmente, amadureceu junto com suas personagens — e com seu público. De tudo, esperança. Se as novelas fossem assim!
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