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Ana Claudia Paixão

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A jornalista Ana Claudia Paixão (@anaclaudia.paixao21) fala de filmes, séries e histórias de Hollywood

Bling Ring, de Sofia Coppola, desagrada personagens, mas ainda é perfeito

Documentário da Netflix ouve os verdadeiros criminosos mostrados no longa, mas sem nenhuma surpresa eles discordam com a “narrativa” da diretora

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 23 set 2022, 08h32 - Publicado em 23 set 2022, 08h00
Em “Bling Ring – A História por Trás dos Roubos”, fica bem clara a doença do consumo. (Netflix/Reprodução)
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O documentário Bling Ring – A História por Trás dos Roubos, disponibilizado na Netflix, é mais um conteúdo que demanda extremo cuidado no consumo. Isso porque, em tempos que verdade passou a ter dono, em que pessoas chamam cotidiano de roteiro, onde definem suas “narrativas” como se vivêssemos em um filme, também passou a ser cada vez mais comum ouvir a apropriação errada de conceitos importantes como saúde mental e sexismo. É o que acontece nos três episódios da série.

Os roubos aconteceram entre 2008 e 2009, em Hollywood, quando alguns famosos voltaram para casa e descobriram que tinham suas casas invadidas. A polícia inicialmente não conseguia identificar a gangue, até que uma denúncia anônima acabou com “a farra” deles. Roubaram milhões em produtos de marcas famosas que desfilavam em suas redes sociais.

O pior é que nem mesmo tantos anos depois algo parece ter mudado para eles. Há uma doença narcisista que aflige a muitos ao nosso redor e que se alimenta da recusa de assumir responsabilidade ou consequência de suas escolhas. E ninguém menos emblemática nesse problema social do que a gangue de Hollywood. Em vez de trabalhar e ir ao shopping para comprar o que queriam, esses jovens (que eram em boa parte de famílias abastadas) decidiram que seria melhor invadir e assaltar casas de celebridades que acompanhavam na Internet ou Reality Shows.

The Real Bling Ring: Hollywood Heist. Cr. Courtesy of Netflix © 2022
Cena do primeiro episódio de ‘Bling Ring – A História por Trás dos Roubos’. (Netflix/Reprodução)

Ainda hoje, apontam os dedos para todos os lados: a culpa é da sociedade, da imprensa, da TV, da Internet, dos pais, das celebridades ou da Justiça. Alegam que tiveram sua saúde mental abalada pela exposição na mídia e que até houve sexismo ao descrever a gangue. Honestamente, é uma deturpação perigosa apenas para ajustar o discurso deles com os valores atuais. O que tem gerado mais polêmica é o episódio no qual se queixam do filme de Sofia Coppola sobre o fato. Lançado em 2013, Bling Ring: A Gangue de Hollywood irritou o grupo. Mas não porque ela pegou pesado com eles (nem um pouco, aliás). Reclamam sobre quem seria realmente protagonista ou sobre os atores que a diretora escolheu para interpretá-los. Sobre os crimes? Riem e ensinam como repeti-los. Absurdo assim.

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Para quem acompanhou aquele período e leu o artigo da Vanity Fair que é a base de todas as versões, é de deixar a boca aberta. Ali estavam jovens bonitos e bem nascidos, envolvidos com drogas, bebidas e futilidades. Apaixonados pelo estilo de vida de Paris Hilton e outros famosos de reality shows, eles usaram informação e tecnologia para diversão consumista. O documentário acaba ressaltando o perfil doentio da gangue e qualquer sugestão de arrependimento fica descartada. O que reforça ainda mais o brilhantismo do filme de Sofia, que mostrou o vazio e a sociopatia do grupo. Não é a primeira vez que alerto aqui para o cuidado que precisamos ter ao consumir documentários ou filmes/séries biográficas ou até mesmo históricas. Afinal, há um gênero tão paradoxal que é chamado de “ficção histórica” e que muda os fatos reais para fazer uma versão pessoal dos acontecimentos.

The Real Bling Ring: Hollywood Heist. Cr. Courtesy of Netflix © 2022
Cena do segundo episódio de ‘Bling Ring – A História por Trás dos Roubos’. (Netflix/Reprodução)

The Crown para nós é delicioso, mas tenho certeza que a Família Real discorda de muitas versões que compramos como realistas. Em Bling Ring – A História por Trás dos Roubos, fica bem clara a doença do consumo. As pessoas estão genuinamente doentes com as redes sociais, precisando estar todos os dias online e quando vemos as produtoras de um reality rindo por terem testemunhado em câmera o momento em que uma das jovens foi presa, a gente para e se choca. Fica pior. A mãe dessa adolescente é coach de positividade (isso existe?), mas claramente topa o que for preciso para alcançar e manter a fama. Me lembra quando o documentário Truth or Dare da Madonna era algo escandaloso por mostrar os bastidores da turnê da cantora e Warren Beaty se queixa quando ela recusa desligar as câmeras. “Por que fazer alguma coisa se não estiver gravado?”, ele ironiza. Isso foi em 1990.

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Não estou me isentando de responsabilidade de alguma forma contribuir para essa rede de exploração da superficialidade, dando espaço para falar mal da gangue. Em termos de roteiro e edição, o documentário é bem feito. E aqui, mais uma vez, o paradoxo. Estamos participando do jogo ao assistir e discutir sobre eles, mas… até onde poderemos chegar com tamanha insensibilidade generalizada? Ninguém está livre de responsabilidade. Ninguém.

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