Alessandra Maestrini e Mirna Rubim discutem ‘O Som e a Sílaba’
A série brasileira, disponível no Disney+, mistura ópera, autismo, drama e comédia, retratando a transformação de dois personagens por meio da música
Não seria uma associação imediata pensar em uma série brasileira que mescle ópera, autismo, drama e comédia, mas é justamente o que a série O Som e a Sílaba faz. A produção nacional, que estreou no final de agosto na Disney+, é a adaptação da peça de sucesso de mesmo nome, assinada por Miguel Falabella, que rodou o país por cinco anos antes de ser levada para o streaming.
Escrita especialmente para Alessandra Maestrini e Mirna Rubim, que repetem seus papéis do palco, a história de conexão e música tem um grande efeito em quem acompanha a história de Sarah Leighton (Maestrini) e sua professora, Leonor Delise (Rubim).
Dividida em oito episódios, O Som e a Sílaba conta a trajetória de uma mulher que, ainda nova, se descobriu uma criança autista com grande talento musical. Na verdade, Sarah é uma ‘savant’, alguém no espectro autista que tem altas habilidades, seja para a música, matemática ou outras áreas. No caso dela, a ópera.
Encorajada pelo irmão, ela sonha em se profissionalizar. Para isso, conta com a ajuda de Leonor, professora que costumava ser uma grande estrela do canto lírico internacional. Parte do que ela ensina à Sarah é preencher os silêncios com emoção. Para fãs de Ópera, uma dica: cada episódio é intitulado com uma ária tradicional e o que está na letra e na melodia, vai preencher a história também.
Alguns dias antes da estreia, as estrelas de O Som e a Sílaba se sentaram para conversar exclusivamente com CLAUDIA, relembrando como um dia habitual na vida das duas acabou gerando uma obra que, hoje, impacta a vida de tantas pessoas.
Entrevista com Alessandra Maestrini e Mirna Rubim
CLAUDIA: Animadas pra estreia?
ALESSANDRA MAESTRINI: Muito mesmo.
CLAUDIA: São pelo menos sete anos lidando com a personagem. Como é que foi essa jornada?
ALESSANDRA MAESTRINI: Interessantíssima, o Miguel [Falabella] escreveu a peça e a série pra mim e pra Mirna. Isso porque ele chegou um dia adiantado numa aula de canto nossa e me viu cantando e falou: “tenho que escrever alguma coisa pra ela cantar ópera”. Ele já estava apaixonado pelo tema do autismo, então, escreveu a peça em que eu sou uma autista cantando ópera.
MIRNA RUBIM: Ele viu a Alessandra cantando nos pícaros dos agudos e falou: “Alessandra, o que é isso?!” Ela já tinha falado pra ele que cantava ópera e ele não acreditou. Em 2016, eu estava fazendo uma peça também, era uma peça da Paralimpíada, com Cassiano Fernandes, que era um paralisado cerebral, cantor, meu aluno, e a Alessandra levou o Miguel para ver. Ele juntou tudo porque ele tinha uma paixão muito grande pelo savantismo, que é esse traço de genialidade que algumas pessoas do espectro do autismo têm.
CLAUDIA: Como é trabalhar com Miguel Falabella?
MIRNA RUBIM: O Miguel é puro amor. Sim, é temperamental e é sincericida, mas é puro amor. Então quando ele te investe em você, ele investe, ele acredita em você e é extremamente atencioso.
CLAUDIA: Sou apaixonada por ópera, mas lamento que, principalmente no Brasil, seja associado ao elitismo, mas, na verdade, tem um papel terapêutico também, não é?
MIRNA RUBIM: Fiz medicina durante quatro anos, antes de estudar canto e sempre tive uma fascinação pela fisiologia e a inteligência humana, a função cerebral. Quando você estuda profundamente e vê que a música organiza diversas neurodiversidades.
CLAUDIA: E como foi se preparar para o papel?
ALESSANDRA MAESTRINI: Pedi pra doutora Mara Belal, que sempre foi minha fonoaudióloga e hoje em dia, minha amiga, se ela tinha algum paciente que ela podia me apresentar de dentro do espectro e ela me apresentou a Júlia Balducci. Eu levei o texto pra Júlia, perguntei se ela sentia falta de alguma coisa, pedi pra ela ler um pouquinho pra mim, se ela queria sugerir algo. Ela adorou, e fiquei vendo qual era o ritmo interno dela, o ritmo de respiração, a linha de raciocínio que se dava, mais ou menos, a condução para responder cada pergunta assim internamente. Quando veio a série, eu apresentei a Júlia pro Miguel e ele se apaixonou por ela, porque todo mundo se apaixona por ela. [risos] A câmera se apaixonou por ela!
CLAUDIA: E foi assim então que surgiu Laura, a melhor amiga de Laura? Julia, como esse projeto foi pra você?
JULIA BALDUCCI: Foi um projeto muito legal porque eu já me via representada, né? Todo mundo falava “nossa, é a Júlia!”. Foi uma experiência muito gratificante porque sou formada em Comunicação Social e Cinema, por isso já tinha experiência atrás da câmera. E ter essa experiência na frente da câmera foi ainda melhor porque posso falar que eu tenho experiência completa agora.
CLAUDIA: A palavra que mais se ouvia quando a peça estava ainda em cartaz era transformadora. Ela rodou o país e agora está disponível em 70 países. É uma super responsabilidade também, né?
ALESSANDRA MAESTRINI: A peça fala sobre seres humanos, sobre humanidade, sobre convivência, sobre as angústias humanas, sobre as transformações humanas, então ela é transformadora pra todo mundo porque ela toca todo mundo em sentimentos que todo mundo tem, cada um à sua maneira.
JULIA BALDUCCI: Neurodivergentes ou não divergentes: somos iguais. Todo mundo tem ansiedade, angústia…tem desejo de não ser invisível, de aparecer.
MIRNA RUBIM: Meu sonho de infância era ser atriz de cinema e a vida acabou trazendo isso de alguma maneira [risos]. Foram 5 anos no palco e isso foi um privilégio que a gente teve, porque as pessoas não têm esse tempo de desenvolver as personagens para ir pro streaming.
CLAUDIA: Qual o poder da música nessa transformação?
ALESSANDRA MAESTRINI: A música conecta as pessoas além de melhorar a conexão neural mesmo, tanto em neurotípicos quanto em neuroatípicos, ela nos conecta com os seres humanos. E pra se fazer música, isso também se fala na série, é muito importante preencher os silêncios, porque uma música sem silêncios é, na verdade, barulho. A música clássica, tanto metaforicamente quanto objetivamente, nos devolve a humanidade, nos devolve a conexão humana e nos devolve a criatividade. Como o Miguel mesmo diz,” Então é que botar todas as mentes em uma única caixa, que é a grande beleza da aventura humana, é a singularidade da mente”.
CLAUDIA: Como é canto lírico, para você? Porque já fazia Musicais…
ALESSANDRA MAESTRINI: Eles se complementam. O ideal, eu descobri ao longo dos anos, é justamente, e é como eu faço hoje em dia, estudar alternando, cantando lírico e cantando pop. Uma musculatura melhora a outra. Antigamente se achava que uma atrapalhava a outra, hoje se sabe que não.
CLAUDIA: E das Árias que você canta, quais as suas prediletas e quais as mais desafiadoras?
MIRNA RUBIM: A minha favorita é o Vissi D’Arte, que é a primeira. Miguel falou “escolham áreas que vocês queiram cantar”. Escolhemos algumas e em cima das músicas escolhidas, ele teceu a trama.ALESSANDRA MAESTRINI: Tem uma ária na série que não tem na peça – vou dar esse spoilerzinho [risos] – que é a ária da Boneca [da ópera Os Contos de Hoffmann, de Offenbach], que foi a que eu mais tive que estudar porque ela veio em cima da hora mesmo. E graças a Deus deu tudo certo! Tá bem divertida e bacana a cena.
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