Museu retrata o passado da sétima arte e planeja um futuro inclusivo
Em entrevista exclusiva, o presidente e a diretora artística do Academy Museum of Motion Pictures falam sobre cinema, tecnologia e racismo
Los Angeles é a capital do entretenimento, portanto ter um quarteirão inteiro dedicado à memória e futuro da indústria é até discreto. No coração de Hollywood, entre as avenidas Fairfaix e Sunset Boulevard, já se pode ver um enorme conjunto de prédios de mais de 28 mil metros quadrados, o Academy Museum of Motion Pictures.
É lá que os amantes da sétima arte poderão conferir exposições, participar de conferências e cursos sem esquecer, claro, no dia em que voltar ser possível, ir ao cinema. Como anunciam, a maior instituição americana dedicada às artes, às ciências e aos artistas da produção cinematográfica.
As portas serão abertas oficialmente no dia 30 de setembro, mas tive a chance de participar de um tour virtual exclusivo, além de conversar com o diretor e presidente do Museu, Bill Kramer, e Jacqueline Stewart, a diretora artística e de programação do Academy Museum.
O prédio moderno e futurista foi projetado pelo arquiteto Renzo Piano e conta com sete andares de galerias de exposições imersivas permanentes e temporárias, além de espaços para eventos especiais, cinema (com capacidade para mil assentos), café, loja e um belo terraço de onde se vê a cidade e a famosa placa “Hollywood”.
Sim, há o espaço da Galeria do Oscar, onde estão estatuetas verdadeiras de vencedores em várias categorias, assim como algumas das roupas que as famosas usaram, como o icônico vestido pluma de Cher. Enfim, é empolgante, mas o mais importante é que o timing não poderia ser melhor.
A Academia fez questão de ressaltar que no museu erros do passado, como o tratamento dado à atriz Hattie McCDaniel, em 1939, vencedora do Oscar que não teve a permissão de dividir a mesa com os outros vencedores por conta da segregação racial, serão discutidos abertamente.
Inclusão, afinal, é o norte do acervo do Museu, que conta com a curadoria de filmes pelo brasileiro Bernardo Rondeau, filho da jornalista Ana Maria Bahiana. Bernardo faz parte da equipe de Jacqueline.
Além de estatuetas e objetos, como os sapatos vermelhos usados por Judy Garland em O Mágico de Oz, Steven Spielberg cedeu um dos tubarões usados em seu filme, Tubarão, que dá medo e emoção aos visitantes.
Confira a entrevista com Bill Kramer e Jacqueline Stewart abaixo:
Como surgiu o projeto Museu?
Bill: Quando a Academia de Ciências Cinematográficas foi fundada, em 1927, já se queria fazer um museu para incluir a história da indústria do cinema e desde então vem-se guardando um riquíssimo material para esse fim. São desenhos, roteiros, tudo que for relacionado aos filmes com um acervo riquíssimo. Cerca de 20% dos 10 mil membros da Academia são estrangeiros, o que faz do museu um espaço internacional.
Quando o museu for inaugurado haverá a oportunidade de visitá-lo virtualmente?
Jacqueline: Será uma mescla. Na época do Oscar, já em abril, teremos uma programação virtual, mas seguiremos oferecendo a oportunidade para as pessoas que não podem vir pessoalmente a Los Angeles. Teremos programas educacionais e uma rica programação para conectar profissionais ou que apenas amam o cinema.
Haverá obras latino-americanas na cerimônia de abertura?
Bill: Como falamos, somos internacionais e teremos alguns filmes que serão exibidos, como da Carmen Miranda, de Fernando Meirelles, Alfonso Cuarón, entre muitos outros.
Jacqueline: Também vamos exibir o Mulheres de Verdade tem Curvas, que aborda a experiência da imigração latina nos Estados Unidos sob a visão de mulheres.
Poderia falar sobre a exibição que vai revisitar a contribuição dos profissionais negros ao cinema?
Bill: Vai cobrir toda a história, desde 1898 a 1971.
Jacqueline: Será extremamente importante, porque muitas pessoas ao redor do mundo, quando pensam no cinema afro-americano, lembram primeiro de Spike Lee, e faz sentido. Mas essa exibição vai mostrar décadas de profissionais negros já trabalhando e contribuindo antes que Spike começasse a dirigir. É importante porque, apesar de que em todas galerias teremos contribuições de profissionais negros, será nessa mostra que poderemos revisar tudo em grande detalhe, incluindo os preconceitos. Ela irá mostra toda a evolução da comunidade. Será interessante ver essa trajetória.
E como será endereçado o tratamento dedicado a Hattie McDaniel, em 1939?
Bill: Teremos mais de uma galeria dedicadas à história do Oscar. Em uma, celebraremos a histórica vitória de Hattie McDaniel, que ganhou como Melhor Atriz Coadjuvante por E o Vento Levou, mas vamos também registrar como ela foi tratada naquela época [de segregação]. Queremos mostrar como foi significante sua vitória, mas não vamos esconder o impacto de uma noite complicada para ela e para a comunidade negra, uma vez que ela foi proibida de estar na mesma mesa que o resto do elenco.
Qual foi a maior dificuldade de montar o acervo do Museu? Qual seria o item mais raro que estará em exposição?
Bill: (risos) Jacqueline, me ajude. Como mencionei, temos uma coleção extensa porque é um projeto antigo. É o maior do acervo de todo o mundo. Estamos comprometidos em ter diversidade e inclusão social. Todo nosso acervo conta uma história e para diversificar vamos trazer curiosidades que talvez o público ainda não conheça.
Jacqueline: Nossa, ainda estou pensando no mais raro… [risos] Há tantos únicos! O que me vem à mente é a coleção do Richard Balzer, que é extraordinária e repleta de objetos pré-cinema e nos dá uma percepção dos objetos que as pessoas usavam antes do cinema existir. São mais de 9 mil dispositivos, mas estamos mostrando alguns na mostra Caminho para o Cinema. Há uma lanterna mágica do século 18, que mostra como já “existia cinema” antes da tecnologia se desenvolver.
No ano em que o streaming prevaleceu, como vocês percebem o futuro do cinema?
Bill: Nosso Museu tem duas grandes salas de cinema, uma com capacidade de até mil pessoas e outra com mais de 200 lugares, tudo com a tecnologia mais avançada do momento. Teremos orgulho de mostrar filmes em película nessas salas, porque essa experiência no cinema é muito importante para nós. Mas o mundo do streaming nos inspira, porque pode atingir a mais de uma pessoa de uma única vez. Além disso, é uma oportunidade incrível para artistas independentes e em ascensão terem seus filmes distribuídos para um público maior. Os mundos co-existem [streaming e cinema].
Jaqueline: Outra questão que o Museu está abraçando é o nosso aplicativo que vai permitir as pessoas se conectarem com o conteúdo do acervo de onde estiverem. O século 20 foi marcado pelo cinema em película e agora também tem o digital. Nosso comprometimento é de mesclar os dois da melhor maneira e sempre olhar para o futuro.
Quantos dias devo dedicar à visita do Museu?
Bill: Amei a pergunta. Há várias formas de interação, desde os fãs, estudantes ou apenas curiosos. Queremos engajá-los com a melhor experiência. Quem quiser passar apenas algumas horas, verá bastante coisa. Já os interessados em toda a programação, especialmente os painéis de discussão, devem destinar alguns dias. Gostaria que passassem muitos dias (risos), vamos adorar recebe-los.
As pessoas terão medo do tubarão Bruce, apelido dado ao animal pelo diretor Steven Spielberg?
Jacqueline: (risos) é muito grande!
Bill: É o maior item da nossa coleção e paira sobre mais de um andar. Ele é, ao mesmo tempo, convidador, assustador, emocionante. Um pouco de tudo. É como rever um querido amigo de longa data (risos).