Samantha Stephens era para ser uma típica mulher dos anos 1960, exceto que – por ser feiticeira – cutucava com bom humor todos os conceitos machistas da época. Com o simples torcer do nariz, fazia mágica. A personagem principal da série A Feiticeira (que foi ao ar nos Estados Unidos de 1964 a 1972, virou filme em 2003) é até hoje uma das maiores referências da cultura pop criadas na televisão. É a bruxinha que muitas queriam ser.
Samantha nasceu da imaginação do roteirista Sol Saks, que amava dois filmes que tratavam de “bruxas” nos tempos modernos, casadas com meros mortais. Sortilégio do Amor, com Kim Novak e James Stewart, e Casei-me com uma Feiticeira, um dos filmes mais famosos de Veronica Lake, co-estrelado por Frederic March. Sol Saks escreveu o roteiro, que foi parar nas mãos da atriz Elizabeth Montgomery. Ela buscava um projeto para estrelar e seu marido (da época), dirigir/produzir. A Feiticeira era “perfeito”.
A história é relativamente simples. Samantha e Darrin Stephens parecem como um típico casal americano da época, ela dona de casa e ele um publicitário. O conflito da família Stephens está em um grande segredo. Na verdade, Darrin não passa de um mortal atrapalhado e Samantha é uma feiticeira poderosa. A pedido do marido (machista), ela oculta seus dons e não os usa para ajudá-lo. Ou assim ele acredita. Sim, porque como as mulheres de seu tempo, Samantha era muito mais do que deixava transparecer.
De fora, Samantha simbolizava tudo que o movimento feminista, que ganhava força na época, abominava. Porém, outros apontam para as críticas nada sutis que A Feiticeira fazia, com humor, sobre a posição da mulher da década de 1960. Samantha tinha que ser uma dona de casa exemplar, boa esposa e boa mãe de família, sem bruxarias, feitiços ou magia. Totalmente submissa, apenas por ser mulher. Claro que a família de Samantha ressentia a escolha dela, especialmente sua mãe, Endora, que sempre criava confusão para Darrin.
Os conflitos de todos os episódios circulavam em torno do esforço de Samantha de equilibrar os dois universos – mortal e mágico – indecisa entre o conservadorismo da sociedade e seu poder de ser muito mais do que o marido. A mágica de “torcer o nariz” é, até hoje, sensacional. Os poderes de Samantha não demandam esforço, bastava não gostar da realidade e mudá-la.
Uma das personagens mais populares da série era a “prima” de Samantha, Serena. Serena era o oposto de Samantha: sexy, independente, rebelde. Flertava com os mortais por diversão. No entanto, ao contrário de Endora, acabava ajudando Samantha e Darrin, mesmo que contra a vontade. Serena representava a mulher que as mulheres da época temiam ser. Como os tempos mudaram, ainda bem!
Apesar do sucesso de crítica e de público, Elizabeth Montgomery se cansou da série na quinta temporada, aceitando fazer outras três até dar por encerrada a produção em 1972. Samantha era adorada por várias gerações, especialmente pela atriz Nicole Kidman, que estrelou o filme (não bem sucedido) dirigido por Nora Ephron.
“Eu sempre pensei que seria divertido de pegar algo que amava quando era criança e fazê-lo como adulta, como uma homenagem”, disse Nicole na época do lançamento. Ela estava jantando com uma amiga quando se questionou se já tinham refilmado A Feiticeira. Logo descobriu que a Sony estava há tempos considerando fazer a adaptação e, com Nicole, puderam finalmente realizar o sonho. “Sempre sou atraída por conteúdos mais obscuros, mas A Feiticeira tem muito de mim. Eu gosto de açúcar e precisava de algo gostoso”, Nicole relembrou.
Ajudou muito que, segundo Nora, ela tivesse o mesmo nariz de Elizabeth Montgomery. Como não havia um roteiro, a semelhança virou a base da história. “Não seria engraçado que alguém fosse escolhido para o papel apenas por ter um nariz parecido?”, sugeriu Nora.
O filme, mesmo criticando o narcisismo de Hollywood, falhou em alcançar o humor e inteligência da série. Algumas mágicas, não são tão fáceis de realizar…