Na casa de Lina Bo (1914-1992) e do marchand Pietro Maria Bardi (1900-1999), a lareira se mantinha acesa o ano inteiro, não importava se era inverno ou verão. “Fogo é lar”, dizia ela aos amigos. Primeiro projeto construído da arquiteta, a residência modernista despontou, em 1951, numa das mais altas colinas do Morumbi, bairro da Zona Sul paulistana. Voltada para o sudoeste, resguardando-se do sol intenso e privilegiando a vista, a estrutura horizontal de concreto, apoiada sobre delgados pilotis, despertava a curiosidade da sociedade da época e, logo, tornou-se ponto de encontro da vanguarda. O lugar acolhia visitas ilustres, como Pierre Verger, Alexander Calder, Giò Ponti, Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro, Glauber Rocha e Caetano Veloso. “Lina recebia com frequência para almoços e jantares. Preparava a mesa com capricho e orientava a cozinheira a servir comida brasileira”, recorda-se Anna Carboncini, assistente de Pietro no Museu de Arte de São Paulo, o Masp, outro projeto da arquiteta, do qual ele foi fundador e diretor por quase cinco décadas. No amplo estar envidraçado, integrado à sala de jantar e à biblioteca, pilhas de livros conviviam com obras de arte, peças seculares – trazidas na mudança da Itália, em 1946 – e a mobília criada para o imóvel. “Lina não gostava de sofás – achava-os desconfortáveis. Por isso, só projetou poltronas e cadeiras, e também luminárias, mesas, camas e até maçanetas”, conta o arquiteto Marcelo Ferraz, seu colaborador de 1987 a 1992, ano em que ela morreu. Pietro faleceu em 1999. Apesar da ausência dos donos, a casa continua viva, transformada no Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Quem o visita percebe a amorosa atmosfera perpetuada pelos dois em detalhes: na coleção de arte popular cuidadosamente disposta nas prateleiras de um armário; na prancheta desenhada para o marido, que gostava de trabalhar no quarto; na dedicatória do livro que ele escreveu, em 1953, sobre Lasar Segall. “Cara Lina, (…) este é para lembrar os nossos dez anos, os únicos para mim.” Além do rico acervo, a Casa de Vidro conserva o jardim de espécies brasileiras tal qual Lina o planejou. É num canto resguardado dele que permanecem, lado a lado, as cinzas do casal.
Tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), a Casa de Vidro é a sede do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, fundado pelo casal em 1990. “A intenção deles era criar um lugar que servisse de centro de pesquisa e debate sobre arquitetura, arte e design brasileiros, e não só um espaço para homenagear a memória dos dois”, afirma a museóloga Sonia Guarita Amaral, presidente do instituto. Apesar de bem-conservada e com 5 mil itens catalogados, a morada dos Bardi sofre com a falta de recursos e não está aberta ao público. Para visitá-la, é preciso agendar horário em dois dias da semana. “Vendemos peças do acervo para pagar a herança requerida pelas duas filhas do primeiro casamento de Pietro”, conta Sonia. À espera de recursos federais e com a recente criação de uma sociedade de amigos, a presidente acredita que, em pouco tempo, consiga fomentar a atuação da instituição. “Neste ano, do centenário da arquiteta, há várias exposições programadas, aqui e fora do país. Isso evidenciará a importância de preservar este lugar.” Em São Paulo, acontecem três mostras: Maneiras de Expor: Arquitetura Expositiva de Lina Bo Bardi, em cartaz no Museu da Casa Brasileira (MCB); A Arquitetura Política de Lina Bo Bardi, que estreia 7 de outubro no Sesc Pompeia, célebre projeto da arquiteta; e O Mobiliário de Lina Bo Bardi – Tempos Pioneiros, com inauguração prevista para 19 de outubro na Casa de Vidro.