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Um defunto me abraçou

Eu trabalhava em hospital e morria de medo de morto. Até que um deles me agarrou

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 21 jan 2020, 10h40 - Publicado em 26 nov 2008, 21h00
Milena Emilião (/)
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Um defunto me abraçou

Soltei toda a adrenalina num grito desesperado. Comecei a correr pelo hospital!
Ilustração: Maurício Melo

Fiz o curso de primeiros socorros no final dos anos 80, porque precisava encontrar um emprego e gostava de ajudar as pessoas. Achei que ia me dar bem como auxiliar de enfermagem — não fosse por um motivo: eu morria de medo de defunto! Era só pensar que uma pessoa tinha morrido num quarto que eu perdia a coragem de entrar lá. Eu me arrepiava só de pensar em um cadáver.

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Eu e minha mãe sempre tivemos medo de caixão, enterro, essas coisas. Acho que a culpa é do meu pai. Quando ele ia dormir na edícula de casa, dizia que um defunto havia puxado o pé dele. A gente nunca entrava lá, nem sonhando! Cresci com esse pavor. Aliás, acho que era uma fobia das brabas!

Eu nem dormia só de pensar em morto

Quando comecei a trabalhar no hospital, eu sabia que em algum momento depararia com um morto. Nos primeiros dias, pra minha sorte, só lidei com cliente vivo — os pacientes são chamados de clientes, vivos ou não. Mas, um dia, inventei uma desculpa pra não entrar no quarto de um senhor que estava nas últimas… Imagine se ele tivesse morrido enquanto eu estivesse por lá?

A chefe da enfermagem percebeu que eu fugia dos mortos e me mandou acompanhar uma enfermeira, a Lázara, numa sala. Ela estava dando os cuidados a um cliente morto. Eu fiquei perplexa, não sabia se ia ou se voltava. Fiquei como estátua, paradinha. Quando meu cérebro voltou a funcionar, pensei: “Cuidados? Morto agora precisa de cuidados?”

A Lázara me chamou, e lá fui eu, atenta e cheia de medo de entrar na sala. Mas a minha colega foi me acalmando. Ela até cantava um pouco, pra não deixar o ambiente silencioso demais. Aos poucos eu consegui respirar normalmente, mesmo tensa. Foi quando ela me falou:

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— Vanda, só dá pra fazer o tamponamento com duas pessoas. Segure a região lombar do paciente e dobre as pernas dele enquanto faço a minha parte.

Fugi desesperada

Olhei bem pro morto. Enchi o pulmão de ar. Tirei minha mão do bolso e, devagar, encostei no corpo. Meu coração estava disparado. Eu não pensava em nada.

Peguei as pernas do falecido, puxei uma, depois outra. Cada segundo parecia uma eternidade. Eu suava frio, desesperada. De repente, senti um peso sobre as minhas costas. Pulei assustada e vi que era o braço do morto que estava ali. Meu Deus! O morto tinha me abraçado!

Soltei toda a adrenalina num grito desesperado. Comecei a correr pelo hospital, dizendo que o morto tinha me abraçado. Eu estava em pânico! Cheguei do outro lado da ala e entrei em uma salinha. Sozinha, tentei entender como aquilo foi possível. Quando minhas idéias começaram a clarear, me dei conta de que, quando segurei o morto, o braço dele acabou escorregando e bateu nas minhas costas…

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Fui voltando devagar e descon fiada pra sala em que a Lázara estava. Dava pra ouvir de longe as gargalhadas dela. Mas ela não me deu mole, não: mandou eu voltar a fazer o procedimento. Envolvemos o cliente no lençol para levá-lo ao necrotério. Quando fomos colocá-lo na mesa, deixei a cabeça dele escorregar e bater na mesa. A minha colega gritou: “Cuidado! Ele pode ter um traumatismo!”.

Ah! Depois de tudo, a Lázara ainda tinha coragem de se aproveitar da situação e me deixar preocupada, achando que eu ia machucar a cabeça de um morto… Que humor negro, né?

Não fico mais diariamente no hospital, mas aprendi a vencer a fobia. Se alguém precisar dos meus serviços, faço com boavontade. Fico sozinha e até converso com os corpos, sem pânico. Tudo graças ao abraço de um morto!

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