Alguns dias antes de estourarem os primeiros casos da Covid-19 no Brasil, minha sócia e eu estávamos com a papelada pronta para alugar uma sala comercial. Nossa empresa vai completar dez anos em um mês e fazia tempo que nos preparávamos para dar uns saltos: aumentar a equipe, ter um espaço. De um dia para o outro, tudo mudou. A recomendação era ficar em casa e o home office, que fazemos há mais de sete anos, se tornou a única opção. Para quem já estava acostumada, seria natural manter o ritmo, certo? Errado. Não é fácil produzir quando uma pandemia nos ameaça. Nas primeiras semanas, agradeci por ter que dar andamento a projetos que já estavam na pauta. Só agora, mais de um mês depois, consigo navegar um pouco melhor na incerteza.
Lives disputam nossa atenção diariamente e muitos conteúdos nas redes sociais dizem: “Aproveite esse tempo para aprender um novo idioma, tirar uma ideia do papel, fazer finalmente aquele projeto que você tanto queria”. Ainda me sinto distante dessa onda de produtividade. E começo a achar que não preciso aproveitar esse tempo para fazer mais – o que eu conseguir já será suficiente. Lembro-me do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han em seu fantástico livro A Sociedade do Cansaço: “A sociedade do século 21 não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais ‘sujeitos de obediência’, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos”. E o que faz um empresário de si mesmo? “Aproveita” esse tempo para fazer novos projetos, ocupar mais espaços. Para produzir mais e mais. Para não ser esquecido. É compreensível. São poucos os que têm uma situação privilegiada; a maior parte da população precisa fazer hoje o dinheiro para pôr comida na mesa amanhã.
Enquanto reconheço meu privilégio e me organizo para contribuir como posso, volto ao meu microcosmo. A rotina tem me salvado. Acordo, medito, escrevo, me arrumo – tem dias em que até passo maquiagem. Reservo um momento para as “páginas matinais”, ferramenta que conheci no livro O Caminho do Artista, de Julia Cameron. Em um programa de 12 semanas, a autora nos convida a romper bloqueios e despertar nosso potencial criativo. Tinha começado em janeiro, e se tornou um alento agora. É uma tarefa simples: acordar e escrever três páginas do que vier à cabeça. Sem filtro, sem desculpas, todos os dias, até quando você não tem muito o que dizer. Você descobre que sempre tem. A segunda atividade é fazer semanalmente um encontro com o seu artista. Ela parte da premissa de que todos somos criativos; só nos distanciamos desse entendimento ao longo da vida. E sugere que toda semana nós criemos um momento só nosso para ler, fazer uma colagem, pintar com aquarela, tocar um instrumento, fazer qualquer coisa que nos divirta. Parece simples e é, mas somos tão acostumados a seguir uma rotina baseada no que é “útil” que, às vezes, nos esquecemos de brincar. São esses encontros, diz a autora, que nos ajudam a encher o “poço” da criatividade com percepções, ideias, experiências. Quando a vida anda difícil lá fora, é de dentro que a gente consegue começar a arrumar saídas, né?
Se conselho fosse bom, eu diria: cobre-se menos. Estamos vivendo uma pandemia, e a única oportunidade que existe nisso é continuarmos vivos e cuidarmos uns dos outros. Não sabemos o que o futuro nos reserva, o que, além de trazer medo e angústia, já deveria ser o suficiente para nos livrar dessa constante pressão que nos impomos – e que o sistema em que vivemos reforça.
Ser produtivo agora é dar conta de cuidar dos afetos, da casa, da louça, do corpo, da cabeça. É cuidar de quem está longe, tentando ficar perto virtualmente. É parar de se cobrar tanto. É agradecer pelo tanto que temos, repensar escolhas, ajudar quem precisa. É lembrar que a gente é gente. E que o que mais queremos é saúde para nós e para os nossos. O resto a gente arruma com o tempo.
*Daniela Arrais é jornalista e sócia da @contente.vc, estúdio de criação de conteúdo
Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva