Sem a inteligência e o trabalho de mulheres, a tecnologia e a internet como as conhecemos hoje não existiriam. O primeiro algoritmo da história foi desenvolvido por Ada Lovelace. Algumas das mais importantes linguagens de programação foram criadas por mulheres: Irmã Mary Kenneth Keller gerou o BASIC, Grace Hopper é a mãe do COBOL. O protocolo STP, que impede o loop de dados nas redes e na internet, é invenção de Radia Perlman. E a tecnologia usada nos telefones celulares e nas redes wi-fi tem como base o trabalho da inventora e atriz Hedy Lamarr na época da Segunda Guerra Mundial.
Com tantas inspirações de peso, seria de se esperar que as mulheres fossem uma presença significativa – não só em qualidade, como também em quantidade – na área de TI, correto? Pois é, mas a realidade é bem diferente.
O fato é que pouquíssimas mulheres trabalham em TI
Os resultados de diferentes pesquisas sobre mercado de trabalho no Brasil e no mundo variam um pouco, mas sempre mostram poucas mulheres na área de tecnologia da informação.
Segundo dados apresentados no evento Women in Tech, realizado pela CA Technologies em São Paulo em outubro, apenas 8% das vagas de desenvolvedores de todo o mundo e 11% dos cargos executivos das empresas de tecnologia no Vale do Silício (EUA) são ocupados por mulheres.
Paralelamente, o Estudo sobre Desigualdade no Recrutamento de Profissionais de Tecnologia e Negócios, feito pela plataforma de recrutamento digital Revelo, aponta que 7% dos desenvolvedores de sua base de talentos são mulheres. E o Relatório de Trabalho Independente e Empreendimento, elaborado pela plataforma de trabalho freelance Workana, concluiu que a área de TI como um todo conta com somente 6% de mulheres em nosso país.
O que desmotiva as mulheres a irem para a área de TI?
É visível que há um fator de desmotivação entre as meninas gostarem de informática e, quando adultas, optarem por ela como carreira. Ainda no evento Women in Tech, soubemos que 74% das meninas demonstram interesse pelas áreas de STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática), mas só 0,4% delas escolhem estudar ciências da computação. O número de cursos de computação cresceu 586% no Brasil nos últimos 24 anos, enquanto o índice de mulheres matriculadas neles caiu de 34,89% para 15,53%.
Na opinião da indiana Aruna Ravichandran, VP de DevOps da CA Technologies, o problema está na base da nossa construção sócio-cultural. “Nas escolas não há orientação para mostrar que todos os alunos podem seguir uma carreira em STEM. Tendem a achar que os meninos têm mais facilidade para entender STEM, e não é o caso”, afirma.
Diretor da Escola SENAI de Informática, Ricardo Gerbaudo concorda que a estrutura cultural é o maior obstáculo para a presença das mulheres na área de TI. “Não acho que as empresas barrem as profissionais, mas sim que elas são poucas, infelizmente. Essa carreira não é apresentada para a mulher como uma possibilidade, tem o estigma de ser masculina”, diz. E nota: “Em eventos de tecnologia, de 20 palestrantes, uma é mulher. Antes não havia nenhuma, mas obviamente é muito pouco ainda.”
Há 13 anos na área de TI, a programadora Jéssica Aline conta que a realidade dos bancos escolares e do dia a dia da profissão realmente não é muito animadora:
“Existe um problema de insegurança feminina neste mercado, e é natural que exista. Primeiro, tem a situação de estar em uma sala de aula com 40 caras, sendo menosprezada todos os dias apenas por ser mulher. Depois, com mais de dez anos de carreira, ouvimos coisas como ‘Não sei se passo esse projeto para ela, será que ela vai dar conta?’. O questionamento não existe em relação aos homens. Se não for muito firme e resiliente, a mulher desiste.”
Aos poucos, o panorama do mercado de TI vai mudando
Ricardo vê, na prática, que é preciso um reforço de comunicação para incentivar as mulheres a tomarem coragem para buscar a formação de que gostam em informática. “Na primeira edição do Code Experience, curso nosso que forma profissionais para o mercado de TI, de 190 alunos, só 19 eram mulheres”, lamenta.
Diante desses ínfimos 10%, sua equipe mudou a estratégia: “Na segunda edição, decidimos fazer peças publicitárias e anúncios no Facebook voltados apenas ao público feminino. A adesão aumentou significativamente, e de 160 alunos, conseguimos que 60 fossem mulheres. Elas precisavam ver que o curso é para elas tanto quanto é para os homens.”
Para a estudante de ciências da computação Adriane Lopes Guerra, de 21 anos, a fala de uma mulher em uma feira de orientação vocacional foi o empurrão necessário para ela respirar fundo e optar pelo curso universitário.
“Em um ciclo de palestras sobre carreiras de exatas, depois de uns mil homens falando – exagero, claro, mas era essa a sensação –, subiu ao palco uma gerente de TI, ex-programadora, contando as dificuldades que enfrentou e como o mercado hoje está mais aberto para nós. Foi tão inspirador que cheguei em casa assustando todo mundo, porque já estava meio certo que eu prestaria vestibular para publicidade”, lembra.
Sylvia Bellio, fundadora da It Line Technology, maior revenda dos produtos Dell no Brasil e única mulher no país a integrar o conselho de empresas parceiras da Dell, percebe que hoje, com a ascenção do desenvolvimento para plataformas digitais, as mulheres estão indo com mais firmeza para a informática.
Ela considera inegável que as jovens estudantes e profissionais são uma parte importante da transformação digital, assim como as que já estão na área. “Na minha empresa, 50% dos funcionários são mulheres. É por aí, um trabalho de formiguinha, uma mulher ajudar e apoiar a outra, incentivar a filha, a amiga. É o que os homens fazem entre eles, inclusive”, afirma.
Aruna Ravichandran opina que é preciso reforçar, desde a escola, que existe a mesma oportunidade de carreira em informática para meninos e meninas. “Eu gostaria de dizer para as meninas que STEM pode soar difícil para elas, mas as garotas são capazes de abraçar estas áreas. Elas têm poder analítico e inteligência”, diz.
A indiana acha igualmente importante que haja programas nas faculdades para ajudar as mulheres a suportarem os cursos. Sua própria filha passou por dificuldades de adaptação entre os colegas, o que a levou à seguinte reflexão: “É uma tendência masculina pensar que uma garota provavelmente não se adequará e que, então, ela tem que lutar mais para merecer seu espaço em uma mesa.” Por fim, ela sugere que as empresas incentivem a troca de ideias entre mulheres, para que elas se fortaleçam no mercado.
No dia a dia, Jéssica Aline considera que, mesmo com o machismo estrutural da área, vale a pena permanecer nela e ver, aos poucos, mais mulheres no mercado. “É a carreira que escolhi e já mudei tanto dentro dela… Comecei como webmaster, foquei em desenvolvimento de front-end, testei trabalhar como analista de usabilidade e acabei voltando e me encontrando como full stack, que é o nome atual de webmaster. Não vou deixar meia dúzia de caras sem noção tirar isso de mim. Tive a sorte de ter, lá no começo, o apoio de pessoas que me mostraram no que eu era boa. Isso é o que fortalece para a gente permanecer”, finaliza.