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O artesanato que deu autonomia financeira às mulheres

A arte também diminui o êxodo rural, possibilita que as mães acompanhem de perto a infância dos filhos e ajuda a combater problemas de autoestima

Por Edição: Isabella D'Ercole | Colaborou: Maria Clara Serpa
Atualizado em 11 mar 2020, 09h00 - Publicado em 11 mar 2020, 09h00
 (Julia Rodrigues/CLAUDIA)
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O Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, é lar para quase 1 milhão de pessoas. Conhecido como Vale da Pobreza, há anos vem sendo assolado pela seca, o que extinguiu a maioria de seus recursos naturais. Além disso, exaurido pela mineração e pelo crescimento desordenado no passado, aparece com frequência no topo do Mapa da Desigualdade. Ainda que sob condições precárias, as famílias que ali moram encontraram no artesanato tradicional da região um novo recurso para sobreviver. E a matéria-prima vem justamente da terra devastada: o barro do chão, as tinturas dos frutos locais.

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Obra das artesãs do Vale do Jequitinhonha (Camila Pinheiro/Reprodução)

As mulheres viram nessa alternativa uma maneira de ajudar financeiramente em casa (sem deixar de acompanhar mais de perto o crescimento dos filhos) e de conquistar autonomia, algo impensável antes, quando apenas os homens saíam para trabalhar nos centros urbanos. Além de proporcionar essas vantagens, o artesanato tornou-se para essas mulheres, que costumavam ter a voz reprimida, um meio de expressão.

Em geral, elas aprendem a arte ainda na infância, mas projetos de valorização, como o Imaterial, de curadoria de artesanato de todo o país, e o Movimento de Artesãs e Ofícios (MÃOS) (maos.art.br), que atua na pesquisa do ofício e cocriação dos trabalhos, são essenciais para fortalecer o setor. A visibilidade também cresceu graças à internet, que estimula as vendas. “Mas a gente ainda vê muitas artesãs que não se beneficiam da própria produção porque boa parte do dinheiro fica com os intermediários. Nosso objetivo é fomentar o artesanato tradicional e o comércio justo, além de contar as histórias de quem está por trás dessa arte”, explica Camila Gomes, uma das fundadoras do Imaterial, que comercializa as peças pelo site (imaterial.art.br).

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As artesãs do Vale do Jequitinhonha (Camila Pinheiro/Reprodução)

O movimento de emancipação ocorre também em Bertioga, litoral paulista, onde atuam as irmãs Rosângela Camilo, 51 anos, e Rosemeri Camilo, 52 (@arte_roses). Elas deixaram o antigo emprego de faxineira para viver de artesanato. “Desde pequenas víamos nossa mãe fazendo colchas de retalhos para contribuir com a renda de casa. Depois que me casei e tive quatro filhos, resolvi investir naquilo também para conseguir um dinheirinho e poder ficar perto das crianças”, conta Rosângela. Ela e a irmã, então recém-divorciada e mãe de um menino, faziam patchwork e pintura de telas.

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Rosângela e Rosemeri Camilo, de Bertioga (Julia Rodrigues/Reprodução)
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Foi a filha de Rosângela, bióloga, que abriu os olhos da mãe para a riqueza da natureza do litoral onde vivem e mostrou que elas poderiam ir além em suas criações. A artesã uniu a admiração pela fauna e flora da Mata Atlântica à técnica do bordado que acabara de aprender. Assim surgiram os produtos autorais das Roses, que incluem bolsas, quadros e chaveiros, entre outros. “Percebemos que é muito mais legal exaltar as belezas do nosso país do que reproduzir técnicas estrangeiras, como muita gente faz; era o caso do patchwork”, afirma Rosângela. Para elas, o mais importante é ver que o artesanato permite que qualquer um crie mesmo sem muitos recursos. “Como nós não tivemos muita instrução, achávamos que éramos incapazes. Nossa arte mudou isso. Hoje damos até cursos para passar nossos conhecimentos”, conta ela.

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O bordado das irmãs Rosãngela e Rosemeri (Julia Rodrigues/Reprodução)

O artesanato também foi herança cultural para Maria das Neves Cavalcanti, a Nené (@cavalcantinene). Vivendo com nove irmãs em uma casa humilde no interior da Paraíba, ela fazia os próprios brinquedos com barro. Sem sequer saber que era arte, foi se aprimorando naquela técnica, que viria a ser seu trabalho e maior orgulho.

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Nené Cavalcanti com uma de suas obras de barro (Arquivo Pessoal/Arquivo pessoal)

Aos 18 anos, foi para João Pessoa fazer faculdade de enfermagem; depois, cursou pedagogia e educação artística. Só então resolveu, finalmente, retomar a brincadeira de criança. Misturando materiais para criar figuras realistas, Nené transformou o talento em sustento e hoje vende obras para todo o Brasil, através da loja Paiol (lojapaiol.com.br). “As minhas experiências serviram para enriquecer ainda mais a minha arte. As faculdades me permitiram conhecer melhor o corpo humano e, assim, tornar as peças mais realistas. Ser mulher me capacitou a representar melhor o feminino; e meus filhos me inspiraram a criar esculturas de anjo”, conta. Vida longa às criações femininas e suas defensoras.

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Escultura de Nené, a venda na Paiol (lojapaiol.com.br) (Divulgação/Divulgação)

 

 

 

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