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Por que o trainee do Magazine Luiza para negros incomodou tanto?

Com apenas 16% de funcionários negros em cargos de liderança, a Magalu criou o primeiro programa de trainee exclusivo para afrodescendentes

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 set 2020, 12h58 - Publicado em 21 set 2020, 20h45
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  • Intercâmbio, universidade renomada, fluência em idiomas são alguns dos requisitos analisados em boa parte dos processos seletivos de trainees. A peneira garante que a estrutura das grandes empresas mantenha seu molde intacto, ou seja, na liderança estão eles: brancos, de preferência homens.

    Quando a lógica é rompida, como fez a Magazine Luiza com o lançamento do primeiro programa de trainee exclusivo para pessoas negras, o incômodo de reconhecer privilégios fala mais alto para alguns. Eduardo Migliano, cofundadora da 99jobs, co-realizadora do programa, ainda custa para acreditar na mensagem que leu de um pai revoltado pelo fato do filho branco não poder participar. “É uma miopia social”, reflete.

    O programa nasceu da parceria das consultorias Indique Uma Preta e Goldenberg, Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), Faculdade Zumbi dos Palmares e Comitê de Igualdade Racial do Mulheres do Brasil.

    Com o sinal de alerta aceso, a empresa de varejo olhou para dentro e notou que 53% dos funcionários eram negros, mas apenas 16% ocupavam cargos de liderança. “Em 2017, criamos o primeiro programa de estágio para negros e a Magalu estava com a gente. Nesse momento, vimos que era necessário acelerar essa mudança”, diz Eduardo sobre a criação do processo para trainees.

    Para a Folha, Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, contou que a decisão partiu de um conselho de diretores e de funcionários negros. “Há uns três ou quatro anos eu reservo três vagas a mais no nosso programa de trainee só para negros. Mas nunca conseguimos [preenchê-las]. Eles não se inscreviam. O processo seletivo não ia de acordo e a gente entendeu que as exigências excluíam negros”, explicou.“Acreditamos que as pessoas vão entrar juridicamente, mas a gente vai lutar e não vamos desistir tão fácil”. 

    No Twitter, o deputado Carlos Jordy, vice-líder do governo na Câmara, declarou que irá entrar com uma representação no Ministério Público em resposta à iniciativa da empresa, que ele identifica como crime de racismo.

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    Na mesma rede, o perfil da Magalu se pronunciou “Estamos absolutamente tranquilos quanto a legalidade do nosso Programa de Trainees 2021. Inclusive, ações afirmativas e de inclusão no mercado profissional, de pessoas discriminadas há gerações, fazem parte de uma nota técnica de 2018 do Ministério Público do Trabalho”.

    Sobre o programa, Eduardo explica que experiência de vida pesará mais do que bagagem acadêmica e profissional. Os candidatos, que precisam ter formação no ensino superior entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020, não terão idioma estrangeiro julgado. O processo seletivo contará com teste de valor, entrevista sobre experiência de vida e dinâmica por vídeo. Os aprovados vão receber aulas de inglês durante o período do contrato.

    Racismo reverso, oi?

    Assim como o parlamentar Carlos Jordy, outras pessoas também acusaram a empresa de praticar o que chamam de “racismo reverso”, uma das lendas que surgiu em resposta ao período pós apartheid na África do Sul, no qual medidas para reparar a falta de negros no serviço público foram implementadas, e ao movimento dos direitos civis nos EUA, que também gerou ações para reduzir o abismo social entre afrodescendentes e brancos.

    O erro em colocar o racismo reverso como uma privação de direitos a brancos movida por negros começa na própria língua portuguesa, já que “reverso” indica uma oposição. Com isso, o significado seria a ausência de discriminação racial. O segundo equívoco é que o racismo é uma relação de poder social, que gera uma opressão. Em uma posição privilegiada na sociedade, brancos usaram a violência para engatilhar a diáspora africana e escravizar milhões de afrodescendentes em colônias ao redor do mundo, como no caso do Brasil.

    Os danos são sentidos e alimentados até hoje pelo racismo estrutural. Governo, instituições e empresas giram uma máquina em todos os países, que é responsável pela ausência de direitos básicos e falta de reparação histórica aos pretos e pardos. Como resultado, temos um genocídio físico, mental e social dessa população. Por isso, negros não têm poder institucional para colocar brancos em situação de opressão.

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    Mesmo com a criação de programas voltados para afrodescendentes, no momento, brancos ainda vão ter mais mecanismos para garantir sua sobrevivência e crescimento. Enquanto houver desigualdade, as ações afirmativas devem ser proporcionais ao tamanho do desfalque.

    Para Eduardo, as reclamações só apareceram por conta do salário que será oferecido de 6.600 reais e do nível do cargo. “Se o programa fosse para recrutar profissionais da limpeza, eles não se sentiriam incomodados. Reparação social mexe com privilégios. Não dá para pensar que isso é ruim porque não vai beneficiar diretamente uma pessoa ou à família dela, é preciso entender que ações como essa servem para mudar o coletivo”, aponta.

    A caminhada e a permanência

    T.D., de 19 anos, ficou quase um ano e meio procurando emprego, quando terminou o ensino médio. “Precisava trabalhar para pagar o cursinho e tentar uma vaga na faculdade. Não consegui encontrar nada e minha mãe acabou pagando o cursinho”, conta a estudante de ciências sociais na USP, que integra no momento um programa de jovem aprendiz voltado para candidatos negros em uma multinacional.

    Antes de conseguir essa vaga, T. participou de outros processos seletivos de diversidade. Mesmo notando um aumento desse tipo de iniciativa, a estudante diz que “percebia que eles esperavam um negro bem submisso. Lembro de uma entrevista que a recrutadora supunha que não entendíamos ou não tínhamos habilidade para falar sobre alguns assuntos, como política. Quem contava a história mais complicada ou acatava tudo, tinha mais chances de ser aceito do que outros mais ativos”.

    A estudante reconhece que os programas inclusivos são portas de entrada importantes para o mercado de trabalho, mas ela também teme que as oportunidades fiquem restritas a essas iniciativas. “Sempre contratam para cargos mais baixos ou por contratos pelo governo para pagar menos impostos. Na chefia da minha empresa, por exemplo, não tem nenhum negro”, questiona.

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    De acordo com um levantamento da plataforma de bolsa de estudos no ensino superior, Quero Bolsa, com dados do Cadastro Geral de Empregado e Desempregados (Caged), em 2019, só 3,69% de candidatos promovidos ou contratados para cargos de liderança no estado de São Paulo eram negros. Para as mulheres, a ascensão foi ainda menor, representando 1,45% das contratações.

    Para Patrícia Santos, CEO e fundadora da EmpregueAfro, consultoria de Recursos Humanos especializada na diversidade étnico-racial, diversidade e inclusão são jornadas. “Não é só abrir um programa de estágio para inclusão de profissionais negras. As empresas também precisam engajar e treinar os funcionários, buscar novos talentos, garantir uma seleção inclusiva e trabalhar o desenvolvimento pessoal do novo colaborador”, explica.

    O ambiente de trabalho também interfere no rendimento e, principalmente, no bem-estar do funcionário. “É muito importante que pensem na jornada do profissional negro e o quanto é desafiador conquistar e se manter ali, ainda mais se houver racismo”, afirma a especialista, que defende como essencial a combinação de treinamento interno para sensibilizar todos os colaboradores e garantir respeito entre eles.

    Outro ponto levantado pela especialista é a conscientização da pessoa responsável pela contratação. “Com programas exclusivos, não tem como o gestor boicotar o processo de inclusão, porque na maioria das vezes é isso que acontece. Eles acabam escolhendo os candidatos brancos, semelhantes a ele”, diz.

    Outros programas de diversidade

    A busca pela diversidade ganha cada vez mais espaço nas empresas, principalmente para nível de estágio. O grupo P&G é uma delas e está com inscrições abertas para o programa de desenvolvimento de estudantes negros “P&G para Você”, que oferece aulas de inglês e mentoria aos participantes. Após um ano aula, eles realizam uma prova, que definirá a entrada ou não no Programa de Estágio Gerencial da empresa. As inscrições podem ser feitas neste site.

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    O banco BV abriu seu primeiro programa de estágio voltado apenas para mulheres, que tenham formação em curso superior entre julho e dezembro de 2022. São 45 vagas e bolsa auxílio no valor de 2.401,76 reais. Para participar do processo, basta acessar este site e fazer a inscrição até 19 de outubro.

    A Gerdau também destina uma parte de suas vagas de trainee para mulheres. São 11 vagas para candidatas que se formaram em engenharia entre julho de 2018 e julho de 2020. Os demais requisitos e a inscrição deve ser feita aqui.

    Para candidatos negros, a Bayer conta com um programa de “Liderança Negra”, em que profissionais graduados ou pós-graduados entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020, independente do curso, podem se candidatar até 21 de outubro neste site. O programa dura 18 meses e os aprovados recebem a quantia de 6.900 reais por mês, além de outros benefícios.

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