Em 2018, a pesquisadora Carla Furtado, fundadora do Instituto Feliciência, começou uma pesquisa na Universidade Católica de Brasília (UCB) para verificar no Brasil a relação entre a felicidade e o engajamento no trabalho. Seu objetivo era comprovar a hipótese de que as empresas que querem aumentar o engajamento no trabalho devem olhar para a felicidade do trabalhador dentro e fora da dimensão profissional.
Anos mais tarde e em plena pandemia veio o resultado: hipótese confirmada. “Isso explica, em parte, porque os esforços nacionais e internacionais para fomento do engajamento não têm funcionado: focam quase que exclusivamente da porta para dentro da empresa”, diz.
A Covid-19 no meio do caminho da pesquisa, segundo a estudiosa, só deixou essa relação positiva entre engajamento e felicidade mais evidente. “Com a pandemia, a porta da empresa se desmaterializou. Nossas casas, nossos filhos e nossos pets passaram a fazer parte das reuniões de trabalho. Ou seja: aspectos da nossa vida que ficavam “do lado de fora” são o nosso cenário cotidiano”, diz.
E, se ficou claro que nunca tivemos duas vidas – a pessoal e profissional – também ficou evidente que os custos de não cuidar do bem-estar de quem trabalha podem ser bem altos: em 2020, houve aumento de 20,6% em relação a 2019 na concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez por transtornos mentais. “Em um mundo pandêmico não perguntamos mais quanto custa cuidar do bem-estar de quem trabalha, mas sim, quanto vai custar não cuidarmos”, diz.
Ao longo da pesquisa, Carla também identificou que a questão da do bem-estar é mais crítica para as mulheres: estamos mais infelizes do que os homens. O acúmulo de papéis e as múltiplas jornadas encaradas pelas mulheres em grande parte das famílias explica por que isso vem acontecendo, conforme ela explica a seguir:
O que a pesquisa mostra dessa relação felicidade e engajamento das profissionais mulheres?
Nossa pesquisa na Universidade Católica de Brasília mostrou o seguinte resultado: os homens apresentaram maiores valores para felicidade. Alguns cientistas têm se debruçado sobre o chamado “Paradoxo do declínio da felicidade feminina”: embora a mulher tenha evoluído na aquisição de direitos e espaço social, sua felicidade declinou de maneira absoluta e relativa quando comparada ao homem. Um dos fatores é a sobrecarga.
Na pandemia, a carga de trabalho das mulheres aumentou muito, é um fato. A exaustão é uma reclamação constante, são diversos papéis para gerir. Como vê a questão da exaustão feminina escancarada durante esse período?
Com a COVID-19, a vulnerabilidade tornou-se ainda mais evidente. Inúmeros estudos conduzidos ao redor do mundo evidenciaram os riscos ampliados em mulheres para transtornos mentais e comportamentais. Pesquisa capitaneada pela organização CARE mostrou que nós temos quase três vezes mais probabilidade de relatar ansiedade, perda de apetite, incapacidade de dormir e dificuldade em concluir as tarefas diárias. Para chegar a esse resultado, foram ouvidas mais de 10 mil pessoas em 38 países, incluindo os da América Latina.
As causas são evidentes. Dos milhões de demissões observadas nos primeiros meses de pandemia, as mulheres formaram o maior grupo, tanto em países desenvolvidos quanto nas nações em desenvolvimento. Some-se a isso a discrepância na divisão do trabalho doméstico. Ainda segundo o estudo da CARE, nos EUA 55% das mulheres fazem trabalhos relativos aos cuidados com a casa contra apenas 18% dos homens. No acompanhamento da escola remota, quase toda a carga da atenção às crianças é das mulheres. Além disso, na linha de frente da assistência aos pacientes elas são a maioria, estando sob maior risco e experimentando estigmatização.
Quais os desafios para implementação de mais programas de felicidade, na sua opinião?
Maior consistência nas propostas. Costumo dizer aos alunos de pós-graduação e aos chief happiness officers em capacitação: não basta estarmos apaixonados pela temática da felicidade, precisamos entender de gestão, precisamos saber inserir a felicidade no âmbito estratégico. Trata-se de um trabalho de alta complexidade.
E quais as dificuldades que as organizações têm no que diz respeito a programas engajamento específico para as mulheres?
O principal desafio das organizações é enxergar a felicidade das mulheres para além do trabalho, como propomos. Mas não é só isso, é preciso compreender que ela está contida num caldo social que a sobrecarrega imensamente.