Malena Nunes trabalha com games, mas não sabe quando começou a jogar. Para ela, apertar botões, manusear alavancas e interagir com a tela é tão natural quanto qualquer outra atividade. A razão disso está em sua infância, quando sua mãe, não o pai, dominava o console. “Muita gente diz que aprendeu a jogar com o pai, mas eu aprendi com a minha mãe”, relembra.
Se a paixão pelos jogos foi despertada na meninice, o caminho profissional foi descortinado, quase por acaso, na vida adulta. É que a influenciadora de games sonhava em trabalhar atrás das câmeras, mas a curiosidade sobre como gravar a tela do computador e narrar ao mesmo tempo a atraiu, aos 17 anos, para a frente delas.
Postou seu primeiro vídeo no fórum de uma web rádio e, rapidamente, viu o retorno. “As pessoas pediam mais.” Era o início de uma trajetória que hoje acumula mais de 6 milhões de inscritos no YouTube e 1,2 milhão no Instagram. Mais do que os números, Malena pavimentou um caminho para muitas meninas no cenário digital.
Nada disso veio sem desafios. Como uma das poucas mulheres streamers de jogos, ela enfrentou preconceitos desde o início da carreira, mas não desistiu de seguir. “Diziam que meu canal só crescia porque eu tinha seios, mesmo eu aparecendo de camiseta e sentada”, recorda.
Apesar de ter consolidado seu nome, ainda hoje é alvo de desrespeitos. “O pior é quando abro o microfone nas partidas. Escuto comentários como ‘volta para a cozinha’ ou ‘ah, é mulher, vamos perder’.”
Durante sua carreira, ela também experimentou o peso de ser tratada como exceção em eventos e projetos. “Sentia que era chamada por ser o ‘unicórnio’ dos games. Não era convidada para propostas sérias, porque tinha um perfil mais despojado, mas os homens com o mesmo nível de descontração eram incluídos.”
Além de lidar com o preconceito, Malena também teve de enfrentar o impacto do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade. “Minha psiquiatra diz que meu TDAH é um dos casos mais severos que ela já viu. O transtorno sempre me afetou, mas ficou mais evidente na vida adulta, porque as responsabilidades emocionais e profissionais aumentaram. Começar a medicação foi como finalmente assumir o controle da minha vida”, relata Malena.
Apesar dos obstáculos, a criadora de conteúdo se manteve firme, em grande parte, graças à sua família. “Pensava ‘se minha mãe joga, quem é qualquer garoto para me dizer que eu não posso?’.”
O apoio paterno, por outro lado, foi essencial para expandir suas ambições em uma época em que o marketing de influência ainda não tinha mostrado para o que veio. “Meu pai, publicitário, acreditou no potencial financeiro antes mesmo de mim. Ele enviava e-mails explicando quem eu era e o que fazia, e foi assim que consegui meus primeiros contratos.”
Hoje, aos 29 anos, colhe os frutos de sua determinação, mas também reconhece o gosto agridoce da internet e a responsabilidade que carrega como influenciadora. “O consumo de conteúdo é muito rápido, tudo é muito glamourizado, e eu sempre preferi a autenticidade. Acho que falta realidade na internet.”
Ao compartilhar suas experiências, desde o diagnóstico de TDAH até sua jornada de emagrecimento, ela se compromete publicamente e quer servir de inspiração para outras tantas pessoas.
Malena reconhece, ainda que com certa relutância, o impacto que sua trajetória teve no mundo dos games e como suas lutas pessoais abriram portas para que outras meninas se vissem nesse espaço.
“Muitas vezes, achamos que algo é impossível até vermos alguém fazer. Por muito tempo, a participação feminina nos jogos era pequena, e escuto de muitas meninas que elas começaram a produzir conteúdo por minha causa. Acho que ajudei a mostrar que elas podem estar ali. A representatividade é importante porque valida nossa presença.” Que muitas outras se enxerguem no controle dos computadores — e de seus sonhos.
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