Na edição de fevereiro de CLAUDIA, preparamos um especial de carreira para falar dos novos estilos de mercado que estão sendo adotados por empresas em todo o país. Conversamos com mulheres que possuem cases de sucesso para descobrir maneiras de conseguir triunfo em um negócio. Confira:
Ainda enquanto cursava design de produtos na Pontifícia Universidade Católica, no Paraná, a curitibana Bárbara Alcântara, hoje com 32 anos, deu os primeiros passos no universo dos negócios. Na incubadora universitária de empresas júnior, fundou, ao lado de amigas, a Curta, agência de comunicação. Encantada, investiu nos cursos de empreendedorismo, mas, ao final do curso, as colegas não toparam seguir oficialmente com a empreitada.
“Conversei com a Débora e a Julia, minhas irmãs, que estavam em fases de vida parecidas, e decidimos tocar juntas”, diz ela. Nascia assim a Curta Comunicação, agência de conteúdo digital, quando ainda nem se falava muito sobre formatos para a internet, em 2009. Apesar da animação e da vontade de propor inovações, elas não conseguiam emplacar projetos com os clientes.
Era difícil defender, há dez anos, que uma empresa tradicional poderia ter um blog e um canal institucional no YouTube para atrair os clientes. “Hoje entendo que há uma curva de adesão às novas ideias, mas, na época, não sabíamos discernir se estávamos errando ou sem timing”, argumenta a relações-públicas Débora Alcântara, 31 anos. O gás resistiu às dificuldades e elas começaram a aplicar as ideias à própria marca.
No ano seguinte, criaram um blog de moda, chamado Tudo Orna, em que compartilham dicas de estilo e fotos delas mesmas com sugestões de combinações de roupa. Pouco tempo depois, perceberam que só o lado criativo não bastava. “Abrimos o departamento comercial, registramos a marca e começamos a estudar. Acabou qualquer traço de hobby e assumimos o profissionalismo. É preciso se enxergar assim para que as pessoas não considerem você amadora”, conta Débora.
Mesmo com poucos acessos no site, conquistaram contratos importantes com grifes grandes e até mesmo com a prefeitura da cidade. “Atualmente isso é praxe, mas, naquele cenário, não era comum emitir nota para trabalhos como blogueira. Só que era exatamente disso que as empresas precisavam”, explica Bárbara.
O trio usava retornos de leitores como insights. Dessa troca surgiu o desejo de produzir objetos autorais, até para uso próprio. Em 2014, criaram a Orna Concept – marca de acessórios com a proposta slow fashion, ou seja, poucos itens feitos com bons materiais que resistissem por muito tempo. Foi a quebra definitiva da barreira de produtos online e offline.
“Essa é uma das características dos negócios digitais, que se apropriam do uso das redes para impulsionar o crescimento, as receitas e os lucros da empresa”, explica Letícia Menegon, coordenadora do Centro de Empreendedorismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo. Ela lembra que, segundo levantamentos recentes do Dimensional Research e do Euromonitor, mais de 80% das pessoas estão predispostas a consumir algum produto ou serviço indicados por outro consumidor que já fez o teste. “Se pensarmos nos 3 bilhões de usuários ativos em mídias sociais, as redes representam a exposição pública das opiniões com potencial para criar ou acabar com a reputação de uma companhia. Nesta era, a voz individual impera”, esclarece.
Na Orna, são 665 mil vozes distribuídas entre as oito contas no Instagram administradas pelas irmãs, incluindo as pessoais – elas se tornaram influenciadoras. Depois da moda, também desenvolveram uma linha de maquiagem, em 2016, e abriram a primeira unidade do Orna Café, em Curitiba, no ano passado. Entre 2017 e 2018, criaram o @EfeitoOrna, plataforma de cursos de empreendedorismo a distância.
No Instagram, ainda ajudam no network dos alunos, contando os cases de quem faz parte da teia criada. Já foram três turmas, somando mais de 1,5 mil alunos de 23 países. Não à toa, integraram a grade do TEDx Brasil e foram consideradas vozes importantes dentro da rede profissional LinkedIn. A caçula, Julia Alcântara, 28 anos, ainda foi apontada como um dos 30 jovens mais promissores com menos de 30 anos pela Forbes Brasil.
O começo, com os percalços, preocupou os pais, que viram as três filhas passando por momentos desafiadores. “Se ainda fosse só uma, tudo bem, mas todas estavam mergulhadas nisso”, diverte-se Débora. O riso solto e a facilidade de articulação ajudam na comunicação com as pessoas, mas, nos problemas dos bastidores, outras qualidades são requeridas. “Tivemos aquele ponto de difícil decisão entre desistir e tentar de novo. Fomos persistentes. Estamos aqui porque temos consistência e constância”, celebram.
De Sol a Sol
Obstinação é uma qualidade pessoal de Cleusa Maria da Silva, 53 anos. Prestes a ser fotografada na loja conceito da doceria Sodiê, no bairro do Tatuapé, em São Paulo, a empresária relembrou as madrugadas que passou confeitando os primeiros bolos. Quando era criança, no interior do Paraná, ajudava, como boia-fria, a família de dez irmãos que acabara de perder o patriarca.
Após a proposta de um tio, se mudou para a capital paulista para trabalhar e tirar os parentes da roça. Até os 18 anos, foi empregada doméstica. “Eu sabia que era a única pessoa que poderia mudar a minha vida”, diz. Aproveitava a economia com moradia e comida e com o pouco que ganhava auxiliava a mãe e custeava os estudos.
Quando completou 18 anos, Cleusa mudou-se para Salto, no interior do estado, para trabalhar em uma fábrica de alto-falantes. Meses depois, o chefe faleceu, e a esposa, Rosa, precisou assumir o negócio. “Ela fazia bolos para vender e insistiu para que eu aprendesse também. Neguei até o dia em que ela teve um problema de saúde e precisou que eu honrasse uma entrega”, lembra. Ela assou, recheou e confeitou o doce seguindo à risca as orientações. “No final, dona Rosa me disse que eu aprendi em uma noite o que ela levou mais de dez anos para aperfeiçoar”, conta.
A ideia de entrar para o ramo já não parecia mais tão distante. O problema é que ela não tinha dinheiro para comprar uma batedeira planetária, imprescindível para produzir em escala de venda. “Um dia, a dona Rosa me deu uma de presente e disse que eu poderia pagá-la em suaves prestações descontadas do meu salário.” A partir daí, encarou a tripla jornada: tinha um filho pequeno, o primogênito Diego, trabalhava na fábrica de dia e fazia bolos durante a madrugada.
A rotina pesada durou dois anos, até que resolveu largar o emprego fixo. Alugou uma loja de 20 metros quadrados no centro da cidade e abriu o registro de empresa. Por cinco anos seguidos, encarou batedeira e fogão de segunda a segunda, sem folgas. “No meu primeiro domingo livre, me senti mal. Fiquei em casa, perdida”, conta.
Como o faturamento ia bem – e tinha alterado o orçamento de toda a família –, mudou de ponto e abriu outras quatro filiais, todas no interior de São Paulo, com a ajuda dos parentes. Foram dez anos sustentando a empresa no mesmo tamanho, mas, um dia, um cliente fiel sugeriu que ela abrisse as portas também na capital, explicando o formato de franquias.
Levou alguns meses até que, decidida a entender o que aquilo significaria, pegou um ônibus para São Paulo e mergulhou em um dia de aulas voltadas para empreendedores. Comprou livros, estudou o tema e contratou uma advogada para criar os contratos. Em 2007, o mesmo cliente tornou-se o primeiro franqueado da marca. No ano seguinte, ela vendeu mais 50 autorizações de loja.
Hoje, a Sodiê Doces tem 311 lojas no país e prepara-se para cortar a fita da primeira unidade no exterior. O ponto escolhido é Orlando, nos Estados Unidos, cidade que recebeu cerca de 826 mil brasileiros em 2017, atraídos pelos parques temáticos e outlets. A empresa estima que o faturamento total deste ano bata a casa dos 310 milhões.
Mesmo se tratando de um império, nenhum novo sabor chega aos balcões sem que Cleusa aprove. A manutenção do padrão é fundamental para quem tem a intenção de criar uma rede de franquias, como ela aprendeu lá atrás, no curso. “Não se trata apenas de vender lojas, deve-se encarar como uma expansão. É preciso transferir a experiência adquirida ao longo do tempo. A marca sem modelo de qualidade dura pouco”, afirma Maisa Blumenfeld, consultora do Sebrae-SP.
Para tanto, Cleusa montou um time multidisciplinar, que inclui de consultores a nutricionistas. “Sempre soube que é preciso reinvestir no negócio para ele dar certo. Mas não se pode gastar mais do que se ganha”, afirma a empresária. Depois de tantas décadas na ativa, ela é capaz de delegar. “Sou do tipo que quer resolver tudo na mesma hora. Felizmente, sei que tenho pessoas capazes de fazer isso por mim e até com mais assertividade, dado o calor do momento. É importante ter confiança em quem está com você.”
Alguém tem que abrir a porta
Para dar conta da rotina de empreendedora serial, é preciso treinar uma equipe com muita competência. Esse é um dos desafios pessoais da carioca Camila Farani. Aos 37 anos, ela já comemora 16 como empresária. A primeira sociedade veio aos 21 anos, com a mãe, depois de aumentar em 30% o lucro do café da família ao incluir bebidas geladas no cardápio. “Ela achou loucura, mas, quando o resultado veio, cumpriu com a parte do acordo, que era me dar um pedaço do negócio”, conta. Fincou raízes no ramo da alimentação.
Formada em direito e fissurada em títulos sobre empreendedorismo, decidiu que precisava colocar o dinheiro para trabalhar para ela. Investiu tudo o que tinha em outros empreendimentos, entre eles um restaurante saudável colaborativo, daqueles em que você escolhe os ingredientes do prato. Quase ao mesmo tempo, foi convidada a dirigir uma expansão da rede Mundo Verde, mas a vida de executiva não a satisfez por muito tempo.
Guiada por um mentor profissional, conheceu o investimento-anjo, modalidade em que uma empresa, ou pessoa, coloca o próprio capital em negócios iniciantes. “Desde sempre soube que prefiro ter várias marcas a um único grande nome, mas só descobri nas apresentações dos jovens empreendedores que existe vida fora do ramo da alimentação”, conta, rindo.
Era o impulso que faltava para que, mais uma vez, ela se movimentasse. “Uma das características de quem empreende em série é a inquietude e a vontade de sempre partir para novos caminhos”, afirma o professor Marcelo Nakagawa, do Insper, em São Paulo. Entre as inteligências de quem atua dessa forma está a habilidade de montar equipes competentes e a capacidade de lidar bem com riscos – imagine que eles são multiplicados quando se está no malabarismo de cuidar de tantas frentes.
O currículo de Camila fez com que ela fosse reconhecida como melhor investidora-anjo do Brasil por dois anos (2016 e 2018) e chamada para compor a banca do programa Shark Tank, no canal pago Sony, no qual pessoas levam suas ideias de negócio para conseguir aportes financeiros.
Para ela, é um prazer incentivar quem quer crescer, especialmente outras mulheres. É adepta da ideia de que, quando uma de nós chega lá, deve ajudar as outras. “Sou uma incentivadora e acho que é mentira que queremos puxar o tapete umas das outras. Nenhuma garota senta ao meu lado e vai embora ainda duvidando da própria capacidade.”
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