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A mulher que mudou vidas ao criar negócios em zonas de conflito

Verónica José transformou o dia a dia de milhares de angolanos desde que decidiu dedicar-se a um projeto de microfinanças

Por Martins Chambassuco
Atualizado em 8 mar 2018, 11h36 - Publicado em 8 mar 2018, 00h01
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  • Verónica José tem um currículo invejável que se mistura com um percurso de ativismo social. Nas últimas duas décadas, transformou a vida de milhares de angolanos, desde que decidiu dedicar-se a um projeto de microfinanças que deu os primeiros passos em 1999 e que, nas duas décadas de existência, já deu microcrédito a mais de 20.000 pessoas, a maioria mulheres.

    Licenciada em Contabilidade e Auditoria, enfrentou a família para levar pequenos empréstimos ao interior do país, numa altura em que a guerra civil desaconselhava viagens. Enquanto milhões de pessoas fugiam para Luanda, capital de Angola, por ser a zona mais segura, Verónica andava pelas províncias a fornecer ‘ferramentas’ de trabalho para que as mulheres pudessem pôr comida em casa. Os homens e rapazes engrossavam as fileiras das forças que se confrontavam. Verónica comandava um outro exército. O dos que ajudavam a criar e a desenvolver negócios, a partir de pequenas atividades informais.

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    O percurso de Verónica José no ativismo social começou aos 19 anos. Em 1991, entrou para a organização não governamental Development Workshop (DW), como ativista comunitária. Em 1995, a ONG DW decide fazer um estudo do mercado informal para entender a posição das mulheres neste setor. O trabalho tinha como alvo o mercado do pescado, no Sambizanga, paralelo ao Roque Santeiro, um dos maiores mercados africanos, localizado no subúrbio de Luanda.

    É desenvolvido o programa de apoio às mulheres no mercado informal e nasce, assim, o primeiro programa de microcrédito, financiado pela embaixada francesa. Quinze mulheres participam na experiência piloto.

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    (Lídia Onde/Kixi Crédtio/Reprodução)

    Vencer o ceticismo

    “Lembro-me que as pessoas estavam céticas. Diziam que era dinheiro perdido, porque as mulheres não iriam reembolsar”, recorda. A experiência mostrou o contrário. Entre as vendedoras, o interesse aumentou e o grupo de clientes foi alargado, passando de 15 para 60 mulheres.

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    Com os resultados positivos, a ONG DW consegue outro financiamento, desta vez do governo britânico. Nasce então o Programa de Subsistência Sustentável (SLP), com o apoio de três ONG – a DW, a Care International e a Save the Children – que apoia famílias da periferia de Luanda.

    Em 1999, uma especialista zimbabueana vem dar formação aos primeiros gestores do programa. Verónica José é a primeira a receber formação em microfinanças.

    “Foram dias difíceis”, reconhece a ativista e empreendedora, detentora de uma pós-graduação em Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Não se conhecia as pessoas e o risco estava sempre presente. Mas é nesta fase que o projeto deixa o asfalto da cidade e passa para as zonas suburbanas da capital. “Deixámos de atuar apenas no Roque Santeiro e envolvemos mais mercados informais nas zonas periurbanas”, diz, orgulhosa.

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    (Lídia Onde/Kixi Crédtio/Reprodução)
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    Avançar para uma zona em guerra

    Em finais de 2000, o Programa de Subsistência Sustentável chega ao Huambo, graças à determinação de Verónica. Mesmo sabendo que aquela era a zona mais crítica decide partir para o Planalto Central, a 600 quilômetros de Luanda, ignorando os conselhos de familiares e amigos. Angola vivia uma guerra intensa. Entre o ceticismo e a vontade de querer ajudar, aceita o desafio. Não se intimida e deixa os dois filhos menores entregues aos cuidados de um irmão e à cunhada, que viviam em casa dos seus pais.

    “Foi um momento desafiante, por ser mulher e ir para uma zona de conflito”, lembra a gestora.

    As palavras do pai ressoam-lhe na cabeça: que não podia ir para o Huambo por causa da guerra, que a cidade estava toda destruída e sem infra-estruturas. Avisos repetidos por amigos que, antes da viagem, lhe ligaram a dizer para não ir. Mas Verónica estava determinada. Sabia que as pessoas precisavam da ajuda financeira da Kixi Crédito.

    “Foi a maior aventura da minha vida. Tive de lutar contra a vontade de pessoas que me eram próximas para ir para uma terra onde a guerra tinha destruído tudo”, revela. Para a dissuadirem diziam-lhe que, na região sul do País, as pessoas não tinham cultura de negócios e que não ia conseguir fazer nada.

    Hoje reconhece que foi um período de grande tensão, mas o mais importante é que as comunidades no Huambo mostraram que sabiam fazer negócios e rentabilizar o dinheiro. A taxa de retorno chegou aos 90%.

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    Viveiro de negócios

    Três anos depois, Verónica José regressa a Luanda com uma carteira de clientes que ultrapassa os 15 mil. No regresso do Huambo, é promovida a assistente de operações de crédito. Deixa de trabalhar diretamente com os clientes e passa a integrar a administração, onde assume, há 10 anos, a gestão dos recursos humanos. A equipa cresce e o número de agências também.

    Apesar de crescer na instituição, sente saudades dos tempos em que dava a cara e contactava as pessoas. “Essa é a minha essência, o meu DNA”, justifica.

    Quando olha para trás, Verónica tem consciência que transformar a iniciativa comunitária em viveiro de negócios foi um dos maiores desafios da sua vida. “Em Angola, não havia nenhuma instituição vocacionada para as microfinanças. Fomos os primeiros a acreditar nas pessoas e a afirmarmo-nos num mercado cada vez mais competitivo, com a entrada de novos operadores a conceder o microcrédito.

    Tudo isto dá-lhe um sentimento de pertença e aguça o espírito de missão que abraçou quando há mais de 25 anos se lançou neste projecto. Já foi tentada a deixar a Kixi Crédito, mas chegou à conclusão que ajudar as pessoas vale mais do que qualquer tipo de remuneração. E uma certeza tem: em nenhum outro projecto encontra tanta satisfação e sentido de dever cumprido. É o que sente em cada abraço que recebe quando regressa ao terreno e encontra alguém a quem ajudou a mudar a vida.

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    (Lídia Onde/Kixi Crédtio/Reprodução)
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    Grupos solidários asseguram reembolso

    A Kixi Crédito é uma instituição que concede microcrédito a pessoas que queiram iniciar ou desenvolver um negócio, mesmo que seja numa actividade informal, num montante máximo de um milhão de kwanzas (o equivalente a 3.900 euros). Os montantes atribuídos e os períodos de reembolso dependem da capacidade que os clientes demonstrem na gestão do negócio.

    “Temos dois tipos de clientes, nomeadamente os grupos solidários, que funcionam em rede auxiliando-se uns aos outros, e os individuais”, revela Verónica José.

    Em termos de compromissos, o cliente deve fazer a devolução do dinheiro e ter capacidade de desenvolver o negócio e melhorar a vida da comunidade.

    “Trabalhamos com grupos solidários e criamos nas pessoas o espírito de entreajuda e confiança mútua”, explica e exemplifica: “Se for um grupo de três interessados no crédito têm de ter garantia mútua, isto quer dizer que se um dos membros tiver dificuldades em pagar, os outros devem reembolsar o dinheiro e isso traz união à comunidade”.

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    A instituição tem uma política de juros que não ultrapassa os 4% do valor emprestado e não financia negócios proibidos por lei, como é o caso das “kinguilas”, ou seja cambistas de rua.

    *Por Martins Chambassuco (pacymara@gmail.com), da Kixi Crédito, Expansao.

    *Neste Dia da Mulher, CLAUDIA participa da ação internacional Women in Businesses For Good, da iniciativa social Sparknews, que visa
    revelar inovações impactantes criadas por mulheres e seu potencial de ampliação ou replicação em outros países.

     

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