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A empresa é responsável pela saúde mental dos funcionários agora?

Na retomada das atividades ou na manutenção definitiva do home office, o emocional também se torna uma preocupação para as empresas

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
19 ago 2020, 11h00
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 (Mariana Valente/CLAUDIA)
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Era começo de março quando Larissa*, 32 anos, entrou no ônibus agitada. Ela não se sentia segura ali. Ansiosa com as notícias recentes, sabia que a aglomeração no transporte público aumentava o risco de se infectar com o novo coronavírus. Em Fortaleza, onde a psicóloga vive, o problema se agravou rapidamente. Tanto é que, dias depois, a escola em que ela trabalha enviaria os alunos para casa definitivamente. Só que, para os funcionários, a empresa pediu um revezamento in loco. “Fiquei muito apreensiva, mas antes que o esquema começasse, a prefeitura decretou lockdown.” O alívio não durou muito. Com a situação se estendendo, temeu perder o emprego. “Eu ouvia das professoras que elas estavam sobrecarregadas. Aconselhei a coordenadora a repassar isso ao chefe dela, porque havia uma pressão grande para dar conta”, lembra. A resposta do setor de recursos humanos veio com alguns e-mails alertando sobre ansiedade. “Era tudo muito distante, não tinha diálogo. Nas reuniões, só falávamos de trabalho”, explica ela, que não sentiu abertura por parte da gestão para dar sua opinião.

Os dilemas que Larissa e suas colegas enfrentaram são semelhantes aos da maioria das pessoas que estavam trabalhando durante a pandemia. Havia o medo de ser demitida, a preocupação em se adaptar ao novo esquema, a cobrança maior das empresas para assegurar produtividade à distância – sem falar nos desafios pessoais. Um estudo do Laboratório de Neuropsicologia Cognitiva e Esportiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro com 1 460 pessoas de 23 estados mostra os impactos parciais da pandemia no país. Só entre março e abril, aumentaram de 8,7% para 14,9% os casos de crise aguda de ansiedade e de 6,9% para 9,7% os relatos de estresse agudo. “É muito importante fazer uma diferenciação. Não estamos em home office, mas em isolamento social. As empresas precisam compreender isso, não dá para cobrar a mesma produtividade do escritório”, ressalta Cris Kerr, CEO da CKZ Diversidade, consultoria especializada em inclusão e diversidade. “É um momento de humanização, de a empresa olhar para cada funcionário e ver se há condições de desempenhar suas tarefas de casa, negociar as entregas de outra maneira, não pelas horas trabalhadas. São as pequenas coisas que fazem a diferença, como oferecer um template padronizado para videochamadas, evitando que a pessoa precise se preocupar com o cenário ao seu redor”, defende ela.

A psicóloga Talita Lelis, 34 anos, admite que sua produtividade atualmente é muito menor do que antes. Ela retornou da licença-maternidade em maio e reveza as reuniões como gestora de recursos humanos de uma multinacional com os cuidados com o filho, de 7 meses. “Eu sinto que é necessário ficar mais tempo disponível porque há funcionários atuando em diversos turnos e eu preciso ajudar em alguns casos”, explica ela, que, aos poucos, encontrou formas para se concentrar melhor no home office.

Lei versus moral

A empresa não tem responsabilidade legal sobre a saúde dos funcionários, mas, sim, sobre o negócio, o que compreende também os funcionários. “Para a companhia, é mais barato e lucrativo ter colaboradores saudáveis e felizes, vestindo a camisa e apresentando resultado. São eles que cuidam dos clientes, e assim cria-se um ciclo positivo”, acrescenta a advogada trabalhista Janaina Fernandes, criadora da plataforma de conteúdo Dúvida Trabalhista. O que acontece no contexto atual, portanto, depende, em parte, dos valores e da moral da empresa e de como isso se revela na organização do setor de recursos humanos. Para a economista Luciana Ferreira, professora de liderança e comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral, a área deve se tornar cada vez menos generalista e operar com grupos de exceção. “O RH até poderia mandar todos os funcionários voltarem ao escritório. Mas e se alguém não se sente seguro ou tem em casa idosos e crianças que ficariam desatendidas? A empresa tem que criar soluções para cada manifestação, acomodando diversas demandas. É um setor que vai precisar ir além da empatia agora, entrando no terreno da compaixão”, afirma. Apesar das reclamações sobre a alta frequência das reuniões por aplicativos de vídeo, a economista sugere que a área de recursos humanos use essa ferramenta também para acolher dores. O líder da equipe deve ser incentivado a fazer encontros com funcionários que não sejam para falar de trabalho. “A pergunta a ser feita não é: ‘E aí, tudo bem?’, porque a resposta será vaga. São os questionamentos que levarão a respostas mais detalhadas, como: ‘Aconteceu algo novo no fim de semana? O que você tem para contar?’. Também ajuda se o gestor começar compartilhando algo pessoal, estimulando assim os outros do time”, explica Luciana.

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(Mariana Valente/CLAUDIA)
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Disseminador de atitudes

Nessa organização mais humanizada, o líder é peça-chave. Segundo estudo da Gallup, empresa americana de pesquisa de opinião e consultoria, o comportamento do líder influencia em 70% o ambiente de trabalho. É uma baita responsabilidade, que só aumentou nos últimos meses. Outro levantamento, também da Gallup, indicou que mais gestores estavam optando por transparência nos relacionamentos, mantendo os funcionários informados sobre a situação da empresa e as expectativas em relação à equipe. Isso aumenta a sensação de confiança. “Essas pessoas são modelos. Se uma conversa sobre vulnerabilidade e saúde mental parte delas, os outros sentirão que há abertura”, afirma Luciana. Mas é preciso que o RH observe o líder. Afinal, ele (ou ela) também pode estar exausto e em sofrimento. “Se esse chefe apresentar atitudes que não correspondam a seu comportamento natural, ele pode passar por um coaching individual, que lhe fornecerá as ferramentas para que se adeque ao que se espera dele”, acrescenta Cris.

Na prática

Na empresa de Talita, os funcionários receberam vídeos de treinamento sobre a Covid-19, com informações básicas sobre os sintomas e como agir em caso de contato com a doença. Como alguns setores da empresa não poderiam operar remotamente, também aprenderam sobre a importância dos cuidados de higiene, alertando para a necessidade do uso de máscara e álcool em gel. Pela regulamentação de home office de 2017, as empresas deveriam fornecer treinamento aos funcionários antes de instituir o modelo de trabalho remoto. Mas muitas correram a fazer a adaptação quando o isolamento se tornou obrigatório. “São coisas básicas, como falar de ergonomia”, diz Janaina, que acredita em várias mudanças nessa seara após a pandemia. “A legislação proibia hora extra em home office, por exemplo. Também devemos falar mais sobre doenças do trabalho realizado em casa.” Segundo o Ministério Público do Trabalho, de março a julho, foram feitas 4,2 mil denúncias sobre violações relativas à jornada e mais de 1,9 mil de assédio moral, deixando bastante aparente o vácuo entre as normas e a realidade.

Na contramão

Apesar da instabilidade geral, algumas empresas tiveram ideias benéficas e que merecem ser copiadas, como bloquear a agenda dos funcionários na hora do almoço ou durante pequenos intervalos do dia, garantindo pausas e respiros. Na escola de Larissa, o RH mandou uma pesquisa de clima, mas o ideal era que isso acontecesse toda semana para que a empresa acompanhasse o desenvolvimento do trabalho remoto de cada funcionário. “Algumas companhias vêm disponibilizando horários para conversas individuais com psicólogos, reduzindo assim os riscos à saúde mental. Outras estão fornecendo treinamento de meditação mindfulness, que tem resultado comprovado em redução de estresse”, exemplifica Cris. Ainda há ações bem simples que causam grande impacto, como enviar lembranças para comemorar os aniversariantes do mês. “Se a pessoa se sentir acolhida, faz toda a diferença”, conclui ela.

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