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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.

Um exemplo de despreparo em uma pandemia

Será que as empresas, bancos e instituições estão preparadas para os novos tempos?

Por Da Redação
8 abr 2020, 21h07
máscara
 (Javier Zayas Photography/Getty Images)
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Poucos dias antes da determinação pelo distanciamento social, tive minha bolsa furtada. Dessas coisas que acontecem quando achamos que jamais aconteceriam. Vida que segue. Só teve o empecilho de tudo isso acontecer em um sábado e a determinação para a quarentena ser estabelecida para começar na segunda. Daí foi o corre-corre. Liga para cancelar celular, faz boletim de ocorrência, entra no site do Poupatempo para tirar outro RG, relê as medidas para o distanciamento. Lava a mão para já entrar no clima do próximo período. No processo, pedi um novo cartão. Eu não vou entrar aqui em nome de banco porque não se trata de uma carta aberta. Mas creio que você vai entender porque fiquei tão irritada hoje. Na conversa com a atendente, entendi que meu cartão chegaria na agência. “Como ir na agência em plena quarentena de pandemia? Tá. Ok. Usa máscara, luva, leva álcool gel, distância de 1 metro e meio e vai dar tudo certo”. Ou não.

Depois de dias, a boa notícia: meu cartão chegou. Para não restar dúvidas, mais uma pergunta e uma choradinha para ver se o cartão não poderia, pelo bom senso diante da pandemia, vir pelo correio. “Não! Só na agência”; “Ok, obrigada”; “Posso ajudar em mais alguma coisa, senhora?”; “Não”, para variar. E eu me preparo como se vivesse em Mad Max para sair com o kit sobrevivência para quem não tem como fugir das ruas em tempos de pandemia: máscara, álcool gel, roupa que cobre o máximo possível do corpo (tá certo que o tempo de São Paulo ajudou), bolsa separada para estes momentos, documentos e vamos ao abate, opa!, para o banco.

Ao chegar no banco, todas as minhas questões em relação ao nosso despreparo diante da pandemia se confirmam. A atendente me diz que o cartão até chegou, mas está preso na agência ao lado, fechada. Ela não tem o que fazer. Minha indignação é acobertada pela máscara, mas minha voz me entrega. De toda a conversa que tivemos, o que eu mais temia: eu, realmente, não precisava ter saído de casa. A atendente, em minutos, atualiza meu endereço e pede novo cartão, que deverá chegar entre cinco e dez dias. “Se os Correios ajudarem. ‘Sacomé’… pandemia…”. Mais álcool gel para enfrentar o caixa eletrônico, pânico com a biometria. A decisão é não pensar muito sobre isso ou a paralisia se instaura, mas as contas não param nem com pandemia.

No caminho para casa, fico pensando que o despreparo e a falta de seriedade que tratamos essa pandemia vai para além de governantes. Ela está impregnada em instituições públicas, privadas, em todos nós. Os serviços de atendimento por telefone continuam com protocolos que demandam a saída de casa para resolver questões. Nossa burocracia continua demandando que a gente prove com milhares de papéis, nossa cara, mais biometria que somos nós. Ao que parece, a tecnologia tem ajudado pouco para que a gente consiga lidar com um mundo que grita a todo momento que fiquemos em casa. Se a orientação é para que fiquemos em casa, no mínimo, alguns protocolos deveriam ser repensados, funcionários bem treinados sobre isso, maiores orientações e protocolos de segurança para movimentações online, alguma tecnologia para provar que somos nós, mesmo dentro de casa. E não é por falta de tecnologia desenvolvida para isso. Mas, me parece, uma falta de vontade de garantir que essa tecnologia chegue para todos. Ou melhor, a falta de vontade só existe até o momento que garantir que essa tecnologia massificada seja altamente lucrativa.

Vivemos uma crise humanitária, uma crise global. Muita gente tem buscado ver o lado cheio do copo, as possibilidades do mundo se repensar para melhor. Eu quero ser essa otimista. Mas há exemplos cotidianos de que estamos despreparados, ou até mesmo desinteressados, para isso. Vejo gente pensando no melhor momento para lucrar com tudo isso. E a gente precisa virar esse jogo. Nós, essa imensidão, que estamos lutando contra medos, incertezas e buscando proteger a si próprio e quem amamos nisso tudo. Nós que exercitamos a empatia em nosso dever de ficar em casa.

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Mas, enquanto não consigo propor como a gente faz isso nesse diário, me resta me indignar e escrever. Vai ver, mais outras de nós, você mesmo que lê, também tenha passado por situações absurdas como essa e a gente consiga pensar juntas.

Por fim, me restar seguir o protocolo de retorno e entrada em casa: tiro os sapatos e deixo para fora, lavo as mãos, tiro a roupa e coloco em uma sacola, lavo as mãos, tiro a máscara e jogo no lixo, lavo as mãos, tomo banho, lavo as mãos, higienizo as compras, lavo as mãos, higienizo o celular e a capinha do aparelho e lavo, de novo, as mãos.

Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:

01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”

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02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener

03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa

04/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?

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05/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia

Resiliência: como se fortalecer para enfrentar os seus problemas

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