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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.

Tempos difíceis

Não bastassem todos os problemas, ainda há ruídos cada vez mais altos e desconfortáveis de defensores do retrocesso

Por Juliana Borges
20 abr 2020, 21h35
 (Ilkay Dede / EyeEm/Getty Images)
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São Paulo, 20 de abril de 2020

Que tempos difíceis. Salários que não dão conta das necessidades, aumento da violência contra as mulheres, nação que mais assassina mulheres trans no mundo, país em que um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos, aumento do desemprego, flexibilização de direitos trabalhistas duramente conquistados, precarização das vidas, pandemia.

Que tempos difíceis. Não bastassem todos esses problemas, ainda há ruídos cada vez mais altos e desconfortáveis de defensores do retrocesso que alcança todos os âmbitos da vida: política, econômica, cultural e social.

Que tempos difíceis nos quais dizem defender a liberdade quando, na verdade, defendem seus próprios interesses. Fugiram das aulas de ciência política, onde aprendíamos que viver em sociedade envolve pactos e acordos coletivos. Ou ficaram presos no mundo da infância hobbesiana, egoísta, competitiva, vingativa.

Que tempos difíceis em que mais de 2.500 mortes, se não contarmos as subnotificadas, são comentadas com desdém. Não que isso me surpreenda. Como afirmo em meu livro sobre o sistema de justiça criminal no Brasil, vivemos em um país violento e sob uma falaciosa ideia de nação amistosa. Antes da pandemia, o Brasil já era dos países mais violentos do mundo, com mais de 60.000 mortes por ano. Homicídios de jovens, negros e periféricos, em sua maioria, no auge de suas capacidades produtivas. Um país que mata sua força de criação e produção todos os dias, não poderia me surpreender na omissão diante de uma pandemia. Mas isso não significa que não doa.

Nunca foi tão importante defender a democracia. Essa ideia tão antiga e que passou por tantas modificações e ainda passa por tantas disputas. Da antiguidade clássica, democracia significava uma forma de governo de muitos, não de todos, com poder e autoridade expressos nas assembleias, para administrar e decidir pelo bem-estar coletivo. Em um salto histórico, é no século XVIII que a concepção moderna de democracia se consolida. Princípios como cidadania, voto para escolha de representantes, o direito de expressão, entre outros, são recuperados, mesmo que não se estendendo a todos os indivíduos. Muitos dos direitos, implícitos na ideia de democracia, tiveram, na verdade, que ser conquistados. O direito ao voto para mulheres, negros e indígenas é um exemplo disso. Hoje, democracia, a grosso modo, seria o direito de escolha dos representantes, de expressão e atuação política. Mas, nestes tempos difíceis, atentam até a essa ideia mais básica.

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Que tempos difíceis, em que, a despeito de eu defender um conceito mais amplo e participativo de democracia, é necessário que nos levantemos em defesa do mínimo que essa ideia tão forte e que atravessou séculos pode carregar. Não há como ficar no conforto nestes tempos. Não há como não se pronunciar nestes tempos. Ao falarmos tanto de agradecimentos e empatia nestas páginas de diário, precisamos exercê-los. Como um dever cidadão. Como um dever de quem acredita que todos temos direitos e que não se pode tolerar quem tenta atacá-los.

Não sei até quando vamos sentir alívio com cartas, manifestos e notas de repúdio. Até quando vamos nos acalmar com colunas e textões no Facebook. Mas o fato concreto é que precisamos defender essa ideia de humano como ser da coletividade e do comum. Precisamos defender uma forte ideia de partilha, direitos e comunhão. São tempos difíceis. Mas não podemos permitir que fiquem piores.

Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:

01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”

02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener

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03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa

06/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?

07/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia

08/04 – Um exemplo de despreparo em uma pandemia

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09/04 – Como perder a noção do tempo sem esquecer a gravidade dos tempos

10/04 – Não é hora de afrouxarmos o distanciamento. Se você pode, fique em casa!

11/04 – 3 filmes para refletir sobre a pandemia da Covid-19

12/04 – Nesta Páscoa, carrego muitas saudades. Hoje, minha mãe completaria 54 anos

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13/04 – Obrigada, Moraes Moreira!

14/04- E aí, quais são as lives da semana?

15/04 – Como praticar autocuidado radical?

16/04 – #TBT da saudade do mar 

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17/04 – Precisamos falar sobre a pandemia e violência contra as mulheres

18/04 – Mulheres na política fazem a diferença também no combate à pandemia

19/04 – Quem cuida de quem cuida?

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