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Crônicas de Mãe

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Por Ana Carolina Coelho. Feminista, mãe, escritora, poeta, dançarina, plantadora de árvores, pesquisadora e professora universitária

A marca desta época é o trauma

A colunista Ana Carolina Coelho revisita um trauma de adolescência para refletir sobre o direito de todes de existir

Por Ana Carolina Coelho
Atualizado em 14 out 2021, 12h58 - Publicado em 13 out 2021, 17h00
jovem triste
 (Martin Novak/Getty Images)
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Confesso que tenho andado tão cansada que esses dias as palavras insistiam em não querer sair da minha cabeça com facilidade. Ainda assim, precisamos conversar, mesmo que brevemente, sobre a grande marca histórica desta época: o trauma. Todas as pessoas que estão vivas nos dias de hoje foram indelevelmente tatuadas com as feridas de algum tipo de trauma. Perdemos incontáveis vidas em menos de dois anos e assistimos a retrocessos e decisões que prejudicaram e trouxeram ainda mais sofrimento em diversos países, incluindo o Brasil.

Há alguns dias li uma reportagem em que os principais nomes de crianças que tem sido escolhidos pelas mães e pais “grávida/os” durante a pandemia significam força, justiça e coragem. Tais nomes refletem diretamente nossos melhores desejos e principais esperanças. Todas as linguagens se desenvolveram justamente por essa necessidade humana de expressar suas vontades e de comunicar coletivamente seus valores e ideias. Por isso todos os idiomas mudam dependendo do tempo, do espaço e das pessoas.

Veja também: 10 frases sobre a importância do descanso e do cuidado com a saúde mental

Nesta crônica, a criança em questão sou eu. Traumas possuem formas muito particulares e atemporais em nossas vidas. Eu aqui falarei apenas de uma pequena cena da minha adolescência. Eu me lembro de uma manhã, há mais de 20 anos, quando eu era adolescente – gorda, de cabelos azuis e verdes, adepta de coturnos e de blusas com estampa de Janis Joplin – eu entrei na sala de aula e uma “colega” de sala, daquelas magrinhas ao estilo “queridinhas” da professora decidiu rir de mim dizendo em voz alta: “Ela é muito exótica, vocês não acham?” Uma outra menina a acompanhou, no que era “apenas uma piada”, e a turma parecia muito confortável com sorrisos e pequenas risadas se espalhando. Eu não ri. Ao contrário, me aproximei dela olhando diretamente em seus olhos, puxei uma cadeira e sentei com as costas da cadeira virada para a frente e disse: “O que significa exótica? Explique e-xa-ta-men-te o que a palavra significa, por favor”.

As risadas cessaram. Algumas pessoas podem alegar que se estabeleceu um “silêncio constrangedor”. Eu chamaria essa quietude de “decência”, afinal, a minha pergunta era válida e QUEM ERA ELA PARA TENTAR ME ENVERGONHAR COM UMA PALAVRA QUE ELA SEQUER SABIA O SIGNIFICADO? (Adolescentes inteligentes e “nerds” podem ser bem difíceis de humilhar, sabia?)

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Enfim, ela me deu uma definição de senso comum dizendo que eu era “diferente”. E eu insisti: “diferente de quem? De você? Qual é a sua régua de escala para essa definição? Eu sou bem parecida com muitas pessoas”. E acrescentei: “Exótica é uma palavra cuja origem significa aquilo que é estrangeiro, que vem de fora do local em que estamos. Eu não sou estrangeira: sou tão brasileira quanto você. Somos apenas diferentes”. Ela NUNCA mais riu de mim e eu nunca mais a encarei. Sequer me lembro de seu nome e de seu rosto.

Mas me lembro da sensação de tentarem me humilhar e me diminuir porque eu não correspondia às expectativas sociais. Não foi a primeira e nem a última vez e ainda hoje consigo sentir a cena em meu corpo. Isso é trauma. Hoje toda a cena é apenas uma lembrança, mas eu ouço meu coturno batendo no chão e meu corpo reage com a mesma indignação daquela época: somos apenas diferentes, POR QUE VOCÊ ACHA QUE TEM O DIREITO DE RIR DISSO? Mães sabem que todas as crianças são diferentes: em seus ritmos, aprendizados, personalidades, em suas expressões adolescentes e suas formas de tentarem se encontrar no mundo.

Hoje eu ouvi a expressão de uma mãe, minha amiga, de que ambas somos “nerds felizes e com muito prazer”. Entendi, há muito tempo, que precisamos aprender a deixar nossas crianças e adolescentes descobrirem quais são suas essências, orientações, raízes e preferências. E nosso idioma precisa igualmente se transformar e incluir todas as existências, pois TODES temos o direito de existir, sem nos sentirmos culpades, humilhades ou excluídes.

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Estamos definitivamente navegando na “Era dos Traumas” e precisamos urgentemente de nomes esperançosos e ATITUDES empáticas que nos tragam a possibilidade de resistir a tempos tão profundamente marcados por inúmeras dores, humilhações, perdas e mortes. Dias Mulheres virão! Vamos conversar?

Se quiser entrar em contato comigo, Ana Carolina Coelho, mande um e-mail para:

ana.cronicasdemae@gmail.com  Instagram: @anacarolinacoelho79

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