Obituário
Velório. Caixão fechado. Em cima dele, uma foto da morta, exuberante, linda, de b i q u í n i.
A mãe do amigo do meu marido morreu aos 82 anos. Velório. Caixão fechado. Em cima dele, uma foto da morta, exuberante, linda, de b i q u í n i. Tinha ali uns 55 anos. Achei o gesto ousadíssimo. Como assim se chora alguém idoso, com tamanha mundanidade?
Na capela, velando a existência vivida, aquela foto me chamou a atenção. Não conhecia a falecida. Naqueles momentos de contrição, fiz uma historinha na minha cabeça. Linda, loura, leve, solta. Caraca, essa deve ter sido do balacobaco. E fiquei pensando no meu final. Aliás, vocês já pensaram no seu velório? Ideia macabra? Por quê?
Passado um tempinho, realizada a missa de sétimo dia, saímos para jantar, meu marido e eu, o filho da morta e sua esposa. E ele, filho da excêntrica mulher de biquíni, deu seu depoimento sobre a mãe. Claro, ela foi uma diva. Claro, eles se amaram muito como mãe e filho. Mas a diva aprontou. Deu trabalho na maturidade. Encarou a passagem do tempo de forma bélica querendo parar o relógio.
Mesmo aos 80 e muitos teve amores muito mais jovens. Possível, claro, mas neste caso eram fake lovers. Foi roubada, abusada, deu trabalho aos filhos, mas viveu. Loucamente. Viúva aos 72 anos, consumiu 1.000 anos em 10, experimentando amores líquidos e loucos, mas não pode ser acusada de monotonia. E voltei à foto de biquíni. “Foi dela a ideia. Ela não queria que a vissem no caixão. Não queria plateia para a morte. Queria a certeza da vida repleta de vida”, revelou o saudoso filho.
Em tempo: o biquíni era branco. O mar era o Mediterrâneo. O barco era dela. Tem maior homenagem à vida?
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