Caras feias e cochichos desconfiados. Foram essas algumas das reações que me deparei ao entrar em um quiosque no litoral norte de São Paulo dias após decidir de vez que iria à praia sem se quer dar um “oi” à lâmina de depilação. Eu sei, você deve estar se perguntando: ‘Ok, mas quem liga para isso?’, e rapidamente te respondo: o meu bem-estar!
Não é de agora que mulheres pelo mundo todo estão deixando as opiniões alheias e os métodos de depilação de lado. Estamos em uma ascendente comportamental inspiradora que vem cada vez mais dando espaço para aquilo que nos fortalece enquanto seres bombardeadas diariamente por padrões estéticos. É quase como nadar contra uma forte correnteza de padrões.
“Lembro da primeira vez que a minha mãe me levou à depilação. Era uma grande casa com muitos cômodos, todos divididos por biombos. Logo na entrada, tinha uma sala de espera e lá estavam os depiladores conversando uns com os outros, depilando em meio às divisões malucas do casarão. Foi uma experiência horrível pois era minha a intimidade em jogo em um lugar que era quase uma fábrica de depilação”, conta a jornalista e poeta Lívia Aguiar ao relembrar de sua primeira ida a sessão de depilação e que hoje se abstém completamente desta visita.
Assim como Lívia, milhares de mulheres (inclusive eu) possuem lembranças não muito agradáveis sobre seus primeiros contatos com a necessidade de retirar os pêlos. As queixas são inúmeras: desde foliculite até irritações severas que causam grande desconforto, quando na verdade buscamos nestes métodos a porta de entrada para a autoestima e segurança com o nosso próprio corpo, o que não é realidade para muitas de nós.
“Eu tinha muitos pêlos grandes e assim que eles nasciam, eu corria para a depiladora. Às vezes cresciam vários no mesmo poro e sempre encravam ou inflamavam. Conforme fui ficando mais velha, fui diminuindo também essa tortura de arrancar os pêlos pela raíz e comecei a utilizar o método a laser. Foi quando percebi que nada adiantava retirá-los. Eles continuariam a crescer, totalmente o contrário do que se promete”, declara a jornalista.
Acontece que, quando nos prometem este tipo de estado físico, como “estar livres dos indesejáveis pêlos”, estaríamos também isentas dos olhares julgadores de uma sociedade extremamente insatisfeita com os corpos que não lhe pertencem. Mas isso também não acontece na prática.
Mas como se aceitar em meio à correnteza que insiste em nos colocar em uma expectativa visual inalcançável? Segundo a terapeuta comportamental e psicóloga membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Larissa Fonseca, a resposta para o pontapé inicial está no estabelecimento dos nossos próprios padrões de beleza, exaltando as características que nos deixam mais à vontade e felizes por dependerem somente de nós mesmas.
“É possível atingir a aceitação em relação a algo que é considerado incomum pela sociedade. Para promover esta aceitação e reduzir o sentimento de julgamento, é essencial e necessário questionar-se sobre os padrões estéticos e desconstruir as normas culturais que perpetuam determinadas expectativas estéticas, reconhecendo somente a nossa diversidade, escolhas e preferências visuais. Isso nós trabalhamos com muita terapia e análise pessoal”, conta a especialista.
São esses mesmos comportamentos de nadar contra a correnteza dos padrões que nos conectam e nos fazem mais fortes, gerando identificação e acolhimento das nossas inseguranças.
“A busca por validação e autoestima, aliada ao impacto crescente das redes sociais, pode levar as pessoas a sacrificar o bem-estar para atender às expectativas visuais cada vez mais reforçadas, especialmente entre os jovens e a sociedade em geral”, acrescenta a terapeuta.
O que quero dizer é que não estou querendo te convencer a parar de se depilar, apenas te ajudar a se sentir um pouco mais confortável com quem você realmente é – com pêlos ou não. Afinal eles não te definem e tampouco são sinônimos de desleixo. Na verdade, eles podem significar e ilustrar a liberdade e o bem-estar que muitas de nós se limitam a sentir por não estarem dentro de um padrão específico.
“Cheguei num ponto da minha vida em que consigo ter a liberdade de ser o que eu quiser ser, andar com o meu corpo como ele quiser, mesmo com pêlos que geram identificação em pessoas com quem eu quero me conectar. Acredito que o verdadeiro problema está nos olhos dos outros, que insistem em nos colocar para baixo quando na verdade só queremos ser nós mesmas, não é verdade?”, diz Livia.
Por isso, pare de se sentir para baixo e vá aproveitar o verãoda sua maneira. A vida é curta demais para ligar para padrões estéticos.