Quem nunca se perguntou sobre o sentido da existência? De onde viemos e para onde vamos são questionamentos básicos que nos atravessam, em maior ou menor grau, de acordo com a fase em que estamos na vida. O problema é que, muitas vezes, tais reflexões nos provocam crises existenciais. É como pular em um abismo e, ao invés de atingir o chão imediatamente, continuar a cair numa espécie de escuridão que evidencia os nossos vazios. É neste processo de queda, no qual nada parece nos segurar, que alguns recorrem aos retiros espirituais.
Mais do que espaços destinados a “vivências de outro mundo”, estes locais reforçam que as respostas que tanto procuramos estão dentro de nós mesmos (desde que estejamos prontos para acessá-las).
Por que participar de um retiro espiritual?
“Os retiros surgem da necessidade de conexão interna que só é possível ao nos retirarmos da turbulência da nossa rotina”, afirma Liana Chiromatzo, dirigente do Templo Universalista de Amor e Caridade Maria Madalena. Ela explica que, normalmente, essas práticas ocorrem em regiões afastadas dos centros urbanos para que possamos despertar a nossa natureza interna em meio a natureza do todo.
“Ao sair das grandes cidades, paramos um pouco, respiramos conscientemente e observamos a própria mente. Reduzindo os estímulos externos, conseguimos finalmente nos afastar da maneira que somos habitualmente”, complementa Monja Coen.
Segundo ela, identificar e desconstruir hábitos, sejam eles físicos ou mentais, faz parte do processo. “Eu não toco em ninguém durante um retiro. Não visto roupas feitas para serem exibidas, nem para os outros, nem para mim mesma. Mantemos os olhos baixos para não procurarmos imagens bonitas. Também não busco sons agradáveis através das músicas. Os sons que chegam são os que temos para ouvir, assim como os odores”, diz Coen sobre o que esperar da prática zen budista.
Abdicar das distrações
Todos esses desapegos, de acordo com a Monja Coen, vêm com o intuito de não tentarmos construir uma realidade separada dela mesma, mas sim, menos tumultuada. Com duração de um a dez dias, em média, a experiência tenta justamente quebrar a nossa necessidade de sermos entretidos constantemente. “Não queremos olhar para as dores, apenas nos distrair. E aí, quando você retira essas distrações e se força a olhar para si, o impacto é muito grande”, pontua a líder espiritual.
Todo esse reencontro consigo mesma pode soar assustador (e está tudo bem se for). Para Liana Chiromatzo, a beleza está justamente no ato de ser vulnerável, que significa também ter muita coragem. “Quanto mais compartilhamos as nossas vulnerabilidades, mais vemos que está todo mundo no mesmo barco. Isso não é uma fraqueza.”
Aliás, segundo a dirigente, que comanda um terreiro de umbanda na zona sul de São Paulo, a vivência do retiro é essencial para que saibamos identificar quais amarras e crenças estão nos impedindo de fazer novas conexões (com outras pessoas ou diferentes propósitos de vida).
“Cada momento de vida traz um propósito e sentido existencial diferente. Uma criança não tem a mesma missão que um adulto. Nietzsche sempre afirmou que há vários sentidos para a existência. Não vamos apenas para frente: às vezes, vamos um pouco para a esquerda ou para a direita. Se estou indo numa direção, e percebo que ela não é tão boa, posso mudar”, complementa Monja Coen.
Acolher todas as emoções
Independentemente dos motivos que nos façam buscar o retiro, a monja compartilha uma lição valiosa: “O sentido maior que nos une é a vida, e o sentido da vida é viver. E aqui, eu falo sobre viver cada instante com plenitude, apreciando tanto a dor quanto o
prazer. Então, ao entrarmos em contato conosco, nos acolhendo sem culpas ou julgamentos, uma mudança gigantesca, comum a todos, acontece”.
“O sentido maior que nos une é a vida, e o sentido da vida é viver, apreciando tanto a dor quanto o prazer
Monja Coen
E engana-se quem pensa que os espaços destinados à conexão interna servem apenas para aqueles que já possuem religiões ou valores espirituais preestabelecidos. “Se você tem o impulso de se autoconhecer, vá. Ouça a voz da sua intuição, pois ela sempre nos direciona para um movimento de evolução, que nos traz novos pensamentos. O objetivo é ultrapassar aquele ‘e se?’, que é a mente tentando bloquear os desejos do coração. Quando nos permitimos experimentar, nos redescobrimos e abrimos possibilidades”, aconselha Liana.
Como escolher um bom retiro
Decidiu mergulhar na experiência mas não sabe qual lugar frequentar? Nestes casos, a dirigente do Templo Universalista de Amor e Caridade Maria Madalena recomenda definirmos o que estamos buscando. Resolver um problema pontual, trabalhar algum trauma ou dor mal elaborado emocionalmente, e tratar — em conjunto com outras terapias — questões de saúde mental são alguns dos motivos mais comuns que levam as pessoas a esse tipo de procura.
Determinados os objetivos, é hora de procurar um local que esteja alinhado com os seus propósitos. “Dê preferência a espaços bem estabelecidos, pois isso reduz as chances de você cair numa cilada”, diz. Ir por indicação ou com pessoas conhecidas pode ajudar nessa garantia.
Há uma variedade de linhagens, que vão dos retiros silenciosos aos que utilizam as medicinas da floresta — como o chá de ayahuasca, rapé, cacau, sananga, entre outras — para nos fazer atingir essa reconexão com quem somos. “No fim, as pessoas têm o mesmo objetivo que é o autoconhecimento. Tudo vai depender do quanto estamos abertos a uma experiência como essa. O mais importante é se permitir”, conclui Liana.
3 livros para aprender mais
- O Que Aprendi Com o Silêncio (Academia, R$ 62,90)
Monja Coen explica por que o silêncio é uma ferramenta na busca pela sabedoria.
- Meditar Transforma (Luz da Serra, R$ 45,80)
Guia para quem deseja aprender a meditar com exercícios simples.
- Quebrando o Hábito de Ser Você Mesmo (Citadel, R$ 29,90)
Joe Dispenza une física quântica, neurociência, química cerebral, biologia e genética para mostrar até que ponto podemos mudar.