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Exclusivo: entrevista com Julia Cameron, do Caminho do Artista

Superação do alcoolismo, disciplina e política são alguns dos temas que a artista americana de 74 anos compartilha com seus ouvintes

Por Helena Galante
Atualizado em 30 set 2022, 09h45 - Publicado em 30 set 2022, 07h00
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  • Professora de criatividade e artista consagrada, a americana Julia Cameron ficou conhecida mundialmente depois do mega sucesso O Caminho do Artista, traduzido para perto de 40 idiomas. Suas ferramentas para o despertar da criatividade incluem a escrita das Páginas Matinais (colocar no papel, à mão, três folhas de tudo que estiver pensando ou sentindo, sem julgamento), o Encontro com o Artista (um date consigo mesma, de uma hora na semana, para experimentar algum programa  que te alegre) e as Caminhadas de apenas 20 minutos, para ajudar a clarear a mente enquanto estica as pernas. Seu livro mais recente lançado no Brasil A Arte da Escuta (Sextante, R$ 39,90), fala sobre o caminho de prestar atenção como um caminho de respeito interno e com os outros. Acompanhe a entrevista exclusiva para CLAUDIA.

    Julia Cameron: autora de
    Julia Cameron: autora de “O Caminho do Artista” e “A Arte da Escuta”, da Editora Sextante (Ilustração Catarina Moura/CLAUDIA)

    Helena Galante – Estou muito honrada em conversar com você, Julia. Esse nosso encontro estava nas minhas Páginas Matinais hoje. É comum que todos os seus alunos queiram dividir as suas experiências?
    Sim. As pessoas usam as ferramentas e depois fazem as suas próprias invenções. Então eu as encontro e elas me falam “usei suas ferramentas e aqui está meu romance” ou “usei suas ferramentas e agora eu faço joias”. É muito bom sentir que você está sendo um trampolim para o processo criativo de alguém, não me canso disso. Eu acho isso excitante.

    Você é uma autora best seller no Brasil, ainda que a gente não se considere tão disciplinados assim. Como lidar com a disciplina que as Páginas Matinais demandam?
    Se um dia chega que eu não termino as minhas Páginas, me sinto errática. Eu olho para elas como uma fonte de prazer que me mantém aterrada, me traz esperança e coragem. Tenho uma amiga que fala que fazer as Páginas Matinais é como acordar e falar com a sua melhor amiga. Esse é um jeito positivo de olhar para isso.

    Você menciona muitos bons amigos no livro A Arte da Escuta, mas é bom saber que você pode contar com você mesma, não é?
    Enquanto eu faço as Páginas Maginais, experimento uma sensação de ser guiada, uma sensação de que há algo benevolente maior, que nós podemos chamar de Deus, ou de universo, ou de força… Você não precisa se preocupar em como nomear, mas você experimenta isso e sente uma conexão.

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    A sua conexão com essa força mudou ao longo do tempo?
    Não mudou tanto.  Muitos anos depois, eu percebo que rezar para o Deus da criatividade faz sentido. Quando eu comecei a fazer as Páginas Matinais, eu estava direcionando minhas orações para um verso de um poema de Dylan Thomas: “A força do verde estopim que impele a flor através”. Eu estava rezando para aquela energia criativa, para o grande arista, o grande criador. Ainda é uma forma válida de rezar – ainda que eu não quisesse chamar de rezar. Eu estava acostumada a termos mais seculares, então eu só chamei de Páginas Matinais, como um termo neutro.

    O que ajuda muito quando temos preconceitos com os termos religiosos. Você queria ser mais inclusiva?
    Eu mesma fui criada numa família muito rígida, num sentimento que existia um jeito certo de rezar. E era bom que eu aprendesse a fazer do jeito certo, senão era melhor não fazer. Quando eu conquistei a minha sobriedade, em janeiro de 1978, ouvi: “Se você quer ficar sóbria, você precisa rezar”. Eu disse: Rezar? Eu não sou santa, eu não sou boa nisso. E eles me disseram que eu poderia rezar para qualquer coisa, contanto que não fosse eu mesma, estava tudo bem. Eu perguntei para uma garota para quem ela rezava e ela disse: para o Mick Jagger. Dai eu pensei, claramente, a minha linha de poesia está bem.

    Você menciona que se conecta com um Deus que nos ouve e também com seus heróis. Quem são eles?
    Não
    sei como vai soar, mas meus heróis são pessoas como Walt Disney, que entendeu a criatividade, ou Carl Jung, que nos deu a noção de arquétipos e um jeito de mapear nosso subconsciente. Sinto que agora eu poderia pedir para Richard Rodgers se ele não poderia me ajudar com as minhas melodias. Meus heróis não necessariamente são os heróis de outras pessoas, é bem pessoal.

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    Você se sente confortável em dividir os seus pensamentos, a sua vida, com tantas pessoas?
    O que eu penso, enquanto escrevo meus livros, é que estou dividindo com uma audiência íntima que vai me entender. É um leitor amigável, gentil. Eu digo: “Você talvez queira fazer isso, eu fiz e deu certo”. Divido os detalhes da minha vida como um exemplo, do que pode acontecer. Escrevi muitos livros e cada um é meu favorito quando estou escrevendo. Todos têm suas rotas de volta ao Caminho da Artista, esse livro manifesto. Ali eu estava dividindo de artista pra artista. No tempo que eu escrevi, imaginei que poderia ser para 10 pessoas, mas acabou sendo contagiante.

    Seus olhos brilham quando você fala dele. Quais são seus Encontros com o Artista favoritos?
    Eu pareço que estou contando uma história do tempo da escola, mas eu tenho um Encontro preferido que é visitar uma loja de animais com um coelho gigante, chamado George. Se você conseguir passar pela parte dos répteis, que são assustadores para mim, você chega na sala seguinte e pode fazer carinho no George. Eu sinto um maravilhoso senso de conexão e expansão, um enorme prazer. Muitas vezes as pessoas dizem para mim: Julia, como você balanceia a sua criatividade com ensinar? Eu me rodeio de pessoas que acreditam em mim como artista, não só como professora. Tenho um amigo, Nick, que fazemos algo que chamamos de Noite de Poesia. Temos que escrever um poema novo a cada semana e eu fico me sentindo feliz depois de um encontro como esse.

    Você descreve esse tempo de qualidade com os amigos, e ele me parece cada vez mais raro. Você acha que estamos nos ouvindo menos por conta da internet?
    É um desafio. A tecnologia nos encoraja a estar sempre ocupado, é aqui que as Páginas Matinais entram. Esse é um tempo quieto passado sozinho, que gentilmente te impulsiona adiante em direções mais felizes. Na Arte de Escuta, conseguimos escutar nós mesmos. Daí percebemos que não estamos escutando o ambiente, que ele está caótico. E assim dizemos: o que podemos mudar? A arte da escuta é sobre mudança, que encoraja a seguir o apetite que as pessoas têm por conexão. A arte da escuta, gentilmente, te treina a ouvir mais profundamente, e você pode descobrir que tem um hábito de interromper e decidir tentar simplesmente ouvir. Essa atenção focada é muito prazerosa. As pessoas começam a ficar animadas com a conversa, e contam coisas que nós não sabíamos sobre elas. Uma porta para uma intimidade muito maior é aberta.

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    Escutar pode causar uma revolução, inclusive política?
    O
    caminho da escuta é um caminho de respeito. E quando intencionalmente ouvimos os outros, eles podem nos surpreender e fazer descobrir que temos mais coisas parecidas do que havíamos previsto. Se vamos caminhar, que é uma outra ferramenta, nos sintonizamos com o ambiente, um passo de cada vez. Quando você sintoniza, escuta uma sinfonia maior. O seu eu superior bate no seu ombro e diz: “Isso é o que realmente importa, você está prestando atenção?”. Eu acho que o caminho da escuta é um caminho de cura. Compre abaixo:

     

     

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