Silenciar as distrações é um desafio em tempos de atenção dividida entre as mensagens infinitas de trabalho, listas de afazeres e poucas horas de sono. E se ao invés de tentar abstrair as demandas, nós começássemos a ouvir, literalmente, o que cada uma delas nos apresenta? O barulhinho da notificação do aplicativo, causa alguma reação emocional? Qual a trilha sonora do supermercado? Será que o som do despertador é o mais agradável? Parecem perguntas simples — e são — mas se feitas com constância podem causar uma revolução na nossa maneira de perceber o mundo e interagir com outras pessoas.
Essa é a aposta da artista e professora de criatividade americana Julia Cameron. Autora do mega sucesso O Caminho do Artista, traduzido para perto de 40 idiomas, ela lança agora no Brasil A Arte da Escuta (Sextante, R$ 39,90). Em entrevista exclusiva para CLAUDIA, Julia compartilha sua confiança na transformação social que vem do diálogo: “O caminho da escuta é um caminho de respeito. Quando intencionalmente ouvimos os outros, eles podem nos surpreender e fazer transparecer que temos mais coisas parecidas do que havíamos previsto”.
Para nos ajudar a desenferrujar o sentido da audição, a também compositora e romancista de 74 anos propõe um programa de seis semanas com tarefas transformadoras. A mais famosa delas é a das Páginas Matinais: escrever a mão, assim que acordar, três páginas de tudo que vier à mente, no fluxo da consciência. “A tecnologia nos encoraja a estar sempre ocupado — e é aqui que as Páginas Matinais entram. Elas são um tempo quieto passado sozinho, que gentilmente nos impulsiona adiante em direções mais felizes”, explica.
Ao esvaziar nosso pote, essa prática diária nos abre para a criatividade. Mas nem só de lições de casa se faz o processo. Outra proposta é separar uma hora por semana para fazer um Encontro com o Artista, alguma atividade divertida realizada na sua própria companhia, para alegrar a sua criança (ou artista) interior. Caminhadas de 20 minutos, para esticar as pernas e a mente, são recomendadas também. No passar das semanas, percorremos a arte de escutar o mundo à nossa volta, os outros, o nosso eu superior, além do véu (sim, ela fala de conversar com ancestrais que já morreram), os nossos heróis e o silêncio.
“As pessoas têm apetite por conexão, por se sentirem próximas. A arte da escuta é gentil e te impulsiona a treinar ouvir profundamente. Você pode descobrir que tem um hábito de interromper as pessoas e decidir mudar. Essa atenção focada é muito prazerosa, anima as conversas e abre portas para a intimidade.”
Como quem conversa com uma grande amiga, Julia divide com os leitores suas ferramentas e também seus percalços. Faz questão de dizer, por exemplo, da superação do alcoolismo, conquistada à base de Páginas Matinais e uma devoção ao Deus da criatividade, que ela via se manifestar num verso do poema “A força do verde estopim que impele a flor”, de Dylan Thomas. “Quando eu conquistei a minha sobriedade, em janeiro de 1978, ouvi: ‘Se você quiser ficar sóbria, você precisa rezar’. Eu disse: ‘Rezar?’. Eu não sou santa, eu não sou boa nisso. E eles me disseram que eu poderia rezar para qualquer coisa, contanto que não fosse eu mesma. Perguntei para uma garota para quem ela rezava e ela contou: ‘para o Mick Jagger’. Daí pensei, claramente, a minha linha de poesia está bem.”
Sua intuição sabia o que dizia. “Ao sintonizar com o ambiente, um passo de cada vez, você escuta uma sinfonia maior. É o seu eu superior que bate no seu ombro e diz: ‘Isso é o que realmente importa, você está prestando atenção?’ O caminho da escuta é um caminho de cura.”