As relações são complexas, nem sempre é fácil expor claramente – e de forma saudável – nossos sentimentos e necessidades para aqueles ao nosso redor, além de muitas vezes ser difícil ser compreendido. Mas, uma tarefa ainda mais difícil é o espaço que nós permitimos ter para acessar nossos desejos e emoções, isto é, nossa relação pessoal. Portanto, uma das habilidades mais valiosas nos últimos anos – nos quais temos valorizado a saúde mental – é a prática da autoconsciência: “É a capacidade do indivíduo de se perceber e compreender seus próprios pensamentos, sentimentos e comportamentos”, explica Monica Machado, psicóloga e fundadora da Clínica Ame.C.
O processo de se conhecer profundamente e identificar suas emoções permite com que se aja de determinada maneira, mas o que acontece quando passamos a ter um olhar exagerado das nossas ações?
“Essa busca por autoconsciência pode se tornar adoecedora quando se torna compulsiva. Um exemplo desse extremo seria alguém que fica hiper vigilante com as próprias ações, pensamentos e comportamentos. A partir dessa vigilância e tentativa de controle absoluto de si, a pessoa pode passar a viver em um estado de alerta, isolado em si mesmo”, reflete a psicóloga Lara Marques.
E a realidade é que esse cenário não afeta a nossa relação pessoal, mas nosso dia a dia e relacionamentos interpessoais. Como podemos nos atentar para essa realidade? Veja a seguir:
Entre linhas tênues
Não é segredo para ninguém que antes de compreendermos os outros, devemos desenvolver a nossa relação com nós mesmos, desde a busca pelos nossos sonhos até o entendimento das frustrações do dia a dia.
Afinal, é apenas por meio da nossa autoconsciência que podemos começar a entender o outro e identificar os ciclos nos quais estamos nos envolvendo, e claro, se eles fazem sentido para a nossa realidade.
“A busca por uma maior autoconsciência, ou seja, um entendimento dos seus processos e padrões, normalmente é benéfica. Somente a partir de uma consciência interna é que podemos modificar e lidar com questões internas e externas”, conta Marques.
Assim, a autoconsciência se mostra como um componente essencial da saúde mental e do bem-estar, trata-se, na verdade, de um dos componentes da inteligência emocional, sendo a forma de se investigar e, consequentemente, se aprimorar.
Contudo, a pesquisa interna passa por uma linha tênue entre o saudável e o excessivo: quando estamos refletindo para além do necessário? E quando isso pode destruir nosso progresso? Monica esclarece que o excesso de autoconsciência resulta da capacidade excessiva ou desadaptativa de retrospectiva pessoal, levando a uma preocupação anormal em relação a sua aparência, comportamentos e pensamentos.
“Alguém que está tentando ser consciente e examinando cada mínimo aspecto de si, poderá fazer uma série de julgamentos de si mesmo a todo instante, a cada nova descoberta ou insight”, revela Lara.
É o caso de, por exemplo, estar em convívio com amigos ou colegas e repensar cada frase que sai da nossa boca, pensando se falamos as palavras certas, no tom correto e no contexto mais apropriado.
Em certo ponto, isso nos permite ter uma noção do contexto social e da forma certa de conviver com outros, mas em excesso se torna uma voz extenuante que julga cada passo e cada som que emitimos, afinal, até que ponto estamos certos e não estamos irritando alguém?
O resultado do excesso de autoconsciência
Tudo em excesso é fatal. “O excesso de informação e análise sobre si mesmo pode ser danoso se a pessoa não desenvolveu algum nível de controle de autocrítica e de uma autocompaixão. Somente a autoconsciência não garante saúde mental, ela precisa estar amparada por outros recursos internos”, acrescenta Marques.
Mas parece difícil de acreditar que a introspecção poderia levar ao resultado oposto do planejado, não é mesmo? Apesar de necessária, quando em níveis descontrolados, pode levar a sentimentos de ansiedade, insegurança, isolamento e, inclusive, dificuldade em conseguir desenvolver relacionamentos.
“Isso pode se manifestar em uma condição crônica, como o transtorno de ansiedade social, por exemplo. Indivíduos com excesso de autoconsciência tendem a se preocupar mais com a opinião alheia e têm receio de serem julgados com base em sua aparência ou ações”, aponta.
Com isso, as pessoas tendem a aderir às normas do grupo ou, inclusive, evitar situações sociais em que possam parecer desfavoráveis ou se sentirem envergonhadas. Em alguns casos, algumas personalidades tendem a buscar um controle e uma sensação de amparo através do conhecimento, enquanto outras possuem a tendência de se refugiar em seu mundo interno, se isolando da realidade externa.
Atualmente, estamos vivemos em uma época em que a frase “busque o autoconhecimento” é constantemente compartilhada, sendo vista como a chave do bem-estar, tendo se tornado uma certa pressão social difundida através de um discurso que aponta que é indispensável que a sociedade esteja sempre se analisando para se aprimorar.
A consciência de si passou a ser necessária e cobrada em nosso contexto social, isto sem ser munido de um verdadeiro autocontrole, levando ao adoecimento.
“Pessoa que sofrem com essa realidade podem se sentir desconfortáveis em situações sociais ou quando são o centro das atenções, além de poder ter dificuldade em tomar decisões, se envolver em atividades que envolvam riscos ou se concentrar em tarefas”, coloca Monica como alguns dos resultados do excesso.
A reflexão nos relacionamentos
Usualmente, a autoconsciência permite com que possamos desenvolver relações saudáveis e frutíferas com outros, afinal, se nos conhecemos propriamente, estaremos preparados para conhecer o próximo.
Mas o excesso tem uma reflexão profunda na forma como lidamos com nossos relacionamentos: “O investimento extremo na vida mental leva a um isolamento social, que acaba prejudicando as relações em geral. O excesso de autocrítica, por exemplo, interfere na autoestima, que está diretamente relacionada à forma com que lidamos com nossas relações”, comenta a psicóloga Lara.
Além disso, quando o indivíduo fica extremamente conectado ao ambiente externo, é possível que ele perca a percepção da realidade, não podendo distinguir entre a consciência do que está acontecendo da autocrítica.
Com isso, podemos afetar nossos relacionamentos românticos, familiares e sociais, levando a um comprometimento da comunicação, por exemplo, apresentando dificuldade em se expressar livremente, pensando a cada momento o que os outros estão pensando delas. Isso pode levar a comunicações superficiais, o que frequentemente acaba em desentendimentos, e falta de intimidade.
Monica aponta para a Claudia a respeito da possível aversão ao risco, que nos leva a evitar situações sociais ou desafios que nos expõem a críticas ou rejeição, limitando nossas experiências e oportunidades de conexão com outros.
Nesse sentido, em relacionamentos românticos – ou, inclusive, familiares e amistosos – o excesso de autoconsciência pode levar ao indivíduo ser hesitante em expressar seus sentimentos ou opiniões, estando preocupado unicamente com o que parceiro vai pensar, resultando em confusões e, claro, conflitos.
Tal excesso não resulta apenas em disfunções psicológicas e problemas para se relacionar com o próximo, podendo ter uma reflexão direta no nosso dia a dia, por exemplo, em tarefas diárias ou no nosso trabalho.
“Os sintomas que esse excesso pode produzir são capazes de trazer prejuízos no trabalho e nas demandas diárias, já que a baixa autoestima, o isolamento interno e o excesso de autocrítica podem trazer uma paralisação nesse sentido”, revela Lara.
Encontrando o equilíbrio
Marques destaca que não existe um autoconhecimento total, assim, não chegará o dia em seremos capazes de saber tudo sobre nós mesmos no quesito mental e emocional. Sempre ficará algo oculto em nosso inconsciente.
“Precisamos parar e perceber, de tempos em tempos, se estamos vivendo concentrados e presentes em nossas atividades. A concentração no momento presente nos ajuda a sair um pouco dessa investigação interna, além de desenvolver algum nível de controle de autocrítica e de autocompaixão”, revela Marques.
Uma estratégia interessante para chegar ao equilíbrio pessoal, segundo Monica, é elogiar e conhecer nossos pontos fortes, ajudando a se concentrar em suas qualidades positivas ao invés dos negativos.
E, claro, é importante velar pela saúde mental do outro e não interferir no nível de autoconsciência que os outros têm, devendo evitar fazer comentários negativos sobre aparência ou, inclusive, comportamentos.
A psicóloga Lara Marques finaliza listando algumas estratégias para quem identifica o excesso de autoconsciência no seu dia a dia:
- Busque se concentrar nas suas atividades cotidianas, ficando focada no momento presente;
- Cultive e cuide de suas relações e interações sociais;
- Desenvolva a autocompaixão para não se criticar excessivamente;
- Abandone a falsa ideia de que você um dia terá consciência total de si mesma, trabalhando assim a autoaceitação.
Apesar de se entender ser um fator importante no seu bem-estar e, claro, no seu desenvolvimento, devemos lembrar que o respeito próprio e o momento presente devem estar sempre alinhados ao autoconhecimento.