Como a solitude pode contribuir para o seu crescimento pessoal
Ser capaz de apreciar sua própria companhia e valorizar o ato de 'estar só' pode torná-la mais produtiva quanto às suas metas pessoais
Os sentimentos que contornam os termos ‘solitude’ e ‘solidão‘ ainda possuem uma linha tênue e difícil de discernir. Enquanto a solidão é vista como experiência negativa, a solitude é interpretada como um ato de força, independência e uma escolha benéfica. A verdade é que a prática parte da subjetividade e do ponto de vista que adotamos. Como então aprender e apreciar o ato de estar sozinha?
Na sociedade em que vivemos, os relacionamentos desempenham um papel fundamental. No entanto, optar por ficar sozinho voluntariamente pode ser extremamente benéfico, permitindo que uma pessoa se concentre em si, desenvolva novas habilidades que sejam significativas e obtenha uma compreensão mais profunda de seus próprios sentimentos. Ademais, essa escolha pode contribuir para melhorar o processo de tomada de decisões pessoais e reduzir a dependência emocional.
Conversamos com a psicóloga clínica com formação em Terapias Cognitivas, neuropsicóloga e especialista em relacionamentos, Ana Paula Torres, para entender como superar os desafios que a independência emocional pode te proporcionar e como fazer com que essa experiência seja uma forma de crescimento pessoal.
Livrar-se das amarras sociais
O pensamento arcaico de que uma mulher feliz depende de uma relação para estar em plena satisfação com sua vida, pode parecer obsoleto, mas ele está enraizado em uma crença social alicerçada no patriarcado. “O primeiro passo é tentar se desvencilhar de conceitos sociais prontos e tentar encontrar algo que realmente faça sentido de forma individual”, aponta a especialista.
“O ser humano é subjetivo e não podemos simplesmente seguir algo só porque a sociedade disse que deveria ser de determinada forma. Então, ao invés de ficarmos passivos e adquirirmos conhecimentos somente do que ouvimos, devemos ser mais ativos e buscar outras alternativas de pensamentos e avaliar aquele que mais condiz com nosso plano de vida”, reflete.
A cultura está inserida em todo nosso desenvolvimento pessoal. Não é algo que escolhemos, mas que está presente em nossas vidas. A neuropsicóloga conta que seguimos tais preceitos em um modo quase automático e não nos questionamentos sobre muitos deles. “À medida em que suas crenças são reflexo cultural e social, e essa cultura acredita que estar só é um problema, é exatamente nisso que você vai acreditar.”
Desafios a serem superados
Além do âmbito social, a esfera emocional também é uma área afetada pelo sentimento de solidão. Nesta se incluem as angústias e a invalidação pessoal. E é aí que entra a questão da autoestima, que como o próprio nome sugere, é como você se sente em relação a si própria. “Quando o autoconceito da pessoa não é bem desenvolvido ela irá buscar sempre por validação externa. Estar solteira nesse cenário representa exatamente o que essa pessoa não quer: não ser validada por um terceiro”, ressalta a psicóloga.
Ela afirma também que se alguém não consegue se validar individualmente, essa pessoa espera que alguém faça por ela. “Se ela possuir uma autoestima prejudicada, muitos questionamentos pessoais por falta de autoconhecimento ou até mesmo tristezas contínuas, será necessário buscar ajuda profissional de um psicólogo especializado”, acrescenta.
Classificar as pessoas por seus status de relacionamento é um erro comum que deve ser abolido. Desde cedo aprendemos com nossos parentes, amigos e até mesmo com a arte, como peças de teatro, livros e filmes, que o “estar com alguém” promove aceitação social e prestígio. Mas os relacionamentos afetivos amorosos são apenas só mais um dos rumos que você pode escolher ou não estar inserida.
“Comece a pensar em você como uma pessoa exclusiva, que tem projetos, sonhos, que quer desenvolver uma carreira, cuidar do seu pet ou qualquer outra coisa que seja. A tomada de decisões está em suas mãos. Inicie essa reflexão, leia sobre o tema e faça o possível para se enxergar cada vez mais próximo dessa realidade”, defende Ana Paula.
Como usar seu tempo para o crescimento pessoal?
De acordo com Ana, a melhor maneira de fazer isso é por meio do foco em outros aspectos da vida que não o amoroso e romântico. “Existem tantas possibilidades. Acredito que seja necessário um momento de introspecção para que o indivíduo entenda o que de fato é importante para ele. Pensar em algo que sempre quis fazer e nunca teve oportunidade antes, pode ser um bom começo para iniciar um plano de ação, seja a curto, médio ou longo prazo”, ressalta.
Gostar da própria companhia é um processo, que, inclusive, requer lidar com a angústia de estar só em determinados momentos. “Como tudo na vida, é uma questão de aprendizagem e nós aprendemos com treino e através do tempo. Quanto mais consciente você estiver em se desenvolver e se autoconhecer mais você irá desenvolver essas habilidades.”
É importante destacar que ter paciência e entender que recaídas fazem parte do processo também é essencial para a continuidade do seu projeto de desenvolvimento pessoal.
Como iniciar o processo de valorizar o ato de estar só?
Por se tratar de uma escolha, valorizar o ato de estar só depende principalmente do indivíduo, mas não exclusivamente dele. O papel de amigos e familiares ao estimular esse processo, fazendo convites para sair, realizar atividades diferentes, ouvindo e acolhendo, debatendo sobre o assunto e até aconselhando a procura por um profissional especializado, é imprescindível.
Segundo a expert, o primeiro ponto de partida para valorizar os momentos a só é o de “não focar obsessivamente em resoluções práticas, quase como se fosse um roteiro”. Ela argumenta que a mudança vem de dentro para fora.
“Primeiro em nível de pensamentos e emoções, depois em comportamentos. Entender o que está envolvido na decisão de estar só, é o passo mais importante. É preciso trazer para a consciência coisas que antes passavam despercebidas e de forma automática. Isso se constrói com o tempo.”
Em paralelo a esse processo de desvinculação entre sua mente e a ideia de que os relacionamentos afetivos amorosos são essenciais, você pode buscar realizar atividades que nunca fez, mas sempre desejou praticar.
E por que não iniciar um curso novo, buscar voluntariado na sua cidade, participar de grupos de mediação, explorar suas habilidades artísticas, fazer uma viagem diferente, iniciar um novo esporte ou aprender uma nova língua? Talvez você nem saiba por onde começar, mas a experiência pode contribuir para que você entenda seus gostos e afeições: o empirismo é uma ótima maneira de se autoconhecer, se desvendar e descobrir o que faz sentido para você.
Afinal, não é porque não estamos dentro de uma relação, que não possamos nos apaixonar por vivências e novos interesses que nos ajudem a mudar nosso estilo de vida.
Consigo praticar a solitude dentro de um relacionamento?
A resposta é sim! Torres explica que independentemente do status de relacionamento, ela vai ser trabalhada da mesma forma.
“Sempre com uma adaptação ou outra, mas isso é algo de indivíduo para indivíduo dentro da realidade particular dele”, frisa. “O relacionamento deve ser complementar na sua vida e não ser o centro, aí já está o primeiro passo para trazer a consciência a ideia de que estando ou não em uma relação, você é uma pessoa única, vivendo uma vida que inevitavelmente terá momentos fluidos. Se sua base não for você próprio, qualquer ação alheia pode te desmoronar quase que por inteiro.”