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‘Quiet Quitting’: o abandono silencioso dentro dos relacionamentos

Para não precisar expor a própria verdade ou carregar o peso de terminar um ciclo, muitos preferem esfriar afetivamente dentro das relações

Por Kalel Adolfo
13 jan 2023, 05h51
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  • É impossível ter vivido uma vida de relações amorosas sem ter uma experiência de “gelo”. Conhecemos alguém, nos apaixonamos,
    doamos o nosso precioso tempo e energia para fazer dar certo e, quando menos percebemos, passamos a sentir que apenas um dos lados está se esforçando para que a relação vá para algum lugar. Um clássico, né? Mas, agora, as reflexões sobre essa vivência estão ganhando novas profundidades, graças a um termo que a internet vem abraçando: o quiet quitting [desistência silenciosa, em tradução literal].

    Sim, a mesma palavra usada para definir aquelas situações em que um funcionário passa a fazer o mínimo possível, esperando que a empresa perceba e o mande embora. Só que, desta vez, a expressão foi transferida para o contexto amoroso.

    “No início de qualquer relacionamento, fazemos um acordo que teremos parceria, cuidado e afeto. Só que, conforme o vínculo vai esfriando, esses valores podem ser perdidos. É comum que as relações mudem, saiam daquela paixão intensa e fiquem mais tranquilas. Mas é bom saber diferenciar o que é tédio do que é tranquilidade; o que é a perda de interesse e o que é o percurso natural da dinâmica”, explica Paloma Gomes, psicóloga humanista com foco em atendimento às mulheres e ao público LGBTQIA+.

    Tais introspecções são essenciais para ambos os lados, seja você a pessoa lidando com o abandono silencioso ou a que está abandonando silenciosamente.

    Perdemos a capacidade de falar?

    Em suma, o quiet quitting é quando alguém na relação já tomou a decisão de que não querer mais estar ali. E sem conseguir bancá-la, acaba se desligando aos poucos do outro, forçando ele a terminar. Mas por que caminhamos para esse lugar? Para a psicóloga e psicanalista Julia Brazão, há duas explicações recorrentes.

    A primeira delas está conectada a um senso de preocupação: “A pessoa sente que não pode comunicar a parceria pois tem medo de deixá-la triste ou magoada. Esse é um caminho perigoso, pois não temos controle sobre as reações do próximo. As únicas emoções que podemos controlar são as nossas. Tentar subverter isso desgasta ainda mais o vínculo, já que mentimos para nós mesmos e para o outro”, afirma.

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    O segundo fator frequentemente ligado ao quiet quitting é a culpa. De acordo com Julia, alguns indivíduos preferem não se responsabilizar pelo fim iminente dos laços afetivos, por não quererem ser a pessoa que carrega o peso de ter colocado um ponto final na relação.

    “Para a psicanálise, esse é um posicionamento narcisista. Não de forma pejorativa como a sociedade prega, mas no sentido de nos colocarmos no centro da situação. Contudo, esse auto julgamento excessivo é incoerente, já que ambos os lados tomaram atitudes que contribuíram para esse resultado”, aponta.

    Porém, há uma espiral de pensamentos destrutivos que se iniciam ao percebermos que estamos sendo “deixados de lado”. Julia Brazão explica que, justamente por termos essa tendência narcisista de nos colocar como peças centrais nas situações, caímos em um excesso de culpabilização e responsabilidade. “Nos questionamos sobre os nossos próprios comportamentos e falas: ‘Por que a pessoa não fala mais comigo?’, ‘O que eu fiz de errado?’ e ‘Será que eu disse algo que não deveria?’”, exemplifica.

    A partir daí, a psicóloga afirma que o gelo gera impactos na autoestima. “‘Será que o outro encontrou alguém melhor que eu?’ ou ‘Por que ela não está tão interessada em mim quanto antes?’ são reflexões que, quando dominam o pensamento, configuram um quadro de paranoia, quando a realidade está mais em nossas cabeças do que no mundo externo”, pontua.

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    É difícil apontar o que não gostamos se nem sabemos o que nos desagrada. Então, acaba sendo mais fácil desistir silenciosamente do que descobrir a si mesmo para se posicionar

    Julia Brazão, psicóloga e psicanalista

     

    Para conseguir driblar essas armadilhas mentais, Paloma Gomes indica ser racional e acreditar no que estamos vendo. Ao invés de se corroer tentando decifrar se o outro realmente quis dizer isso ou aquilo, se agarre aos fatos: “Veja o que a pessoa fez ou deixou de fazer. Depois, chame a sua parceria para uma conversa. Não precisa ser um confronto, mas é necessário entender qual é a melhor alternativa para ambos, seja ela uma terapia de casal ou um término”, aconselha.

    Homens heterossexuais possuem maiores chances de recorrer ao quiet quitting.
    Homens heterossexuais possuem maiores chances de recorrer ao quiet quitting. (Arte/CLAUDIA)

    Homens e o quiet quitting

    Paloma Gomes revela que, de acordo com os relatos que já ouviu em seu consultório, essas desistências silenciosas costumam surgir mais em relacionamentos heterossexuais de longa data. “Neste modelo, é comum que o homem vá desistindo do vínculo sem comunicar, já que é mais confortável manter a relação sem fazer nada. Isso se torna ainda mais evidente quando o casal tem filhos, já que, além do comodismo, ele também possui uma imagem familiar a zelar”, diz a especialista.

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    Obviamente, este cenário é provocado e potencializado por razões sociais e culturais, já que falar sobre os próprios sentimentos não faz parte da educação ou ensinamentos de meninos e jovens. “Não há como os homens falarem sobre o que sentem se não conseguem olhar para as próprias emoções. E isso é problema deles. Eles que deveriam ir atrás desse amadurecimento, senão acabamos transformando a pauta em mais uma responsabilidade da mulher”, diz.

    O outro lado da moeda

    Como as histórias da vida real são mais complexas que as ficções com seus vilões e mocinhos, é impossível não falar sobre o lado de quem recorre às saídas silenciosas.

    Para Julia Brazão, a dificuldade em se posicionar — seja afetiva, profissional ou socialmente — diz respeito a um medo de expor os valores e sensações individuais.

    “Ao entrar numa discussão, precisamos de uma certa autonomia para defender determinados pontos. Isso nos convida a viver uma situação desafiadora. Quando não conseguimos encará-la, estamos falando sobre uma insegurança enraizada”, diz.

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    Outra grande problemática acontece quando nem ao menos sabemos o que queremos. “Pode ser que a pessoa esteja tão acostumada a apenas ‘seguir o baile’, que ela não se posicione justamente por não ter posição alguma. É difícil apontar o que não gostamos se nem sabemos o que nos desagrada. Então, acaba sendo mais interessante (e fácil) desistir silenciosamente do que descobrir a si mesmo para se posicionar”, pontua.

    De qualquer forma, uma coisa é fato: precisamos estar mais dispostos a dialogar e escutar uns aos outros. “Quando os dois só querem falar e apontar erros, não estamos falando sobre diálogo e, sim, de um monólogo compartilhado onde cada um expõe questões. Escute, absorva, acolha, mas não se sinta obrigada a fazer tudo para o seu parceiro se sentir bem. Num relacionamento, todos devem ser contemplados”, conclui.

     

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