“Ao mesmo tempo em que queremos estabilidade e previsibilidade, clamamos por aventura e mistério. Quero que o outro seja o meu melhor amigo e amante apaixonado. E, para completar, hoje vivemos o dobro do tempo. Dê-me rotina, mas me dê surpresa também!” A declaração absolutamente precisa faz parte do TED Talk da psicoterapeuta belga Esther Perel, O segredo do desejo em um relacionamento duradouro. Muita gente se pergunta se é possível (e como) reinventar a rotina sexual em relações longas, e a resposta nem sempre é fácil de ser encontrada.
Esther atende casais há décadas e é uma espécie de guru das relações longas — além de definir muito bem o desafio que é manter o desejo aceso por anos a fio.
Manter o sexo interessante, variado e satisfatório com alguém que já não é mais novidade nem sempre é facil. Mas o primeiro passo para destrinchar esse impasse é justamente naturalizar a queda no desejo.
A queda do desejo sexual acontece com todos!
Todos os casais, sem exceção, passarão por alguma diminuição no tesão em um relacionamento longo: “Quando conhecemos alguém, sentimos algo chamado ‘desejo instantâneo’: biologicamente, apenas um olhar ou um beijo se torna combustível o suficiente para alimentar fantasias”, explica a sexóloga Luana Lumertz.
No entanto, à medida que essa combustão instantânea é substituída por um modelo de afeto mais romântico e maduro, sentir todo aquele “fogo” se torna um pouco menos automático.
“Após um período com a parceria, entramos na fase do ‘desejo responsivo’, onde precisamos de um estímulo maior para que as coisas aconteçam. Infelizmente, a falta de informação sobre isso leva muitos casais a entrarem em crise”, afirma.
Ou seja, o primeiro passo é não se desesperar caso a chama não arda como anteriormente — é normal e até esperado.
Por isso, antes de sair seguindo mil e uma receitas para dar a famosa “apimentada” na relação, a educadora sexual Clariana Leal propõe uma reflexão: será que o sexo no seu relacionamento está realmente ruim?
“Eu sou muito a favor das coisas que são baunilha [expressão que significa ‘básica’]”, brinca.
Para a profissional, entender o que realmente é uma transa monótona pode fazer toda a diferença. “A monotonia na cama é quando estamos transando sozinhas e esquecemos completamente do outro. É aquele sexo sem troca, cheio de egoísmo”, diz. Isso, sim, pode atrapalhar na conexão.
Agora, segundo Clariana, se os dois estão presentes, gostam das mesmas coisas, já sabem o que funciona, possuem rituais específicos e estão em sintonia, não há motivo para dor de cabeça: “Está tudo bem a transa não ser aquele espetáculo com piruetas, posições mirabolantes, quinhentas trocas de roupas, chicotes e algemas”.
Lidando com o desejo sexual do outro
Se, mesmo assim, ambos sentirem que as coisas realmente precisam esquentar, atitudes simples como consumir conteúdos sobre sexualidade e relacionamentos podem ajudar.
“Eu e meu marido passamos a ler juntos, tanto literatura erótica quanto obras sobre sexualidade. Depois, debatíamos e conversávamos”, exemplifica Luana.
A sexóloga afirma que assistir a filmes e séries sensuais também estimula o pensamento erótico, já que essas produções geram curiosidade e costumam abrir a nossa mente para o novo.
Para aqueles que preferem algo mais lúdico, Luana possui uma ótima sugestão: “Em público, diga frases sacanas no ouvido da pessoa. Algo como: ‘Nossa, eu queria muito transar com você agora’. O fator inusitado traz dinamismo para a rotina sexual”.
Permanência do desejo em relações longas
Algo que Esther Perel notou em suas pesquisas sobre o desejo é que, em boa parte das vezes, os casais mais “foguentos” são aqueles que respeitam a privacidade alheia, compreendem que o vínculo afetivo possui muitas fases (algumas intensas, outras tranquilas) e aceitam que o sexo comprometido é o sexo premeditado.
“Transar envolve determinação e intenção. É foco e presença”, defende em sua palestra. Para além das atitudes a dois, nutrir a própria individualidade é primordial: “Essa coisa de alma gêmea, metade da laranja, é bastante tóxica. Quando temos espaço para nós mesmas, e isso inclui a masturbação, conseguimos crescer e florescer sexualmente a sós e a dois”, diz Clariana.
Manter uma certa individualidade no dia a dia, indicando universos ainda não explorados dentro de cada parceiro, pode ajudar a simular aquele interesse inicial.
Uma vida plena é sexy
Clariana também ressalta algo essencial: acima de tudo, não podemos deixar de sentir prazer na rotina. Não o sexual, mas prazer em viver. Você está conseguindo ter um respiro? Consegue se acolher, sentir alegria nas pequenas coisas? Faz planos para o futuro? Uma pessoa que está de bem com a vida é também muito atraente. A educadora sexual questiona: você ainda consegue olhar para a sua parceria e sentir aquele quentinho no coração?
“Às vezes, é necessário dar uns passos para trás e reinventar a si antes de revolucionar a vida a dois.” Nada como se apaixonar por uma pessoa nova – mesmo que seja o mesmo parceiro de sempre.