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Além do sexo: abandonando as amarras da heteronormatividade

Quando nos desprendemos das regras heteronormativas e exploramos nossos desejos e sensações, as trocas sexuais podem se tornar mais prazerosas

Por Joana Oliveira
10 jun 2022, 08h23
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  • O que você sente quando toca partes do seu corpo que nunca foram tocadas? Eros se esconde e se revela numa miríade de lugares e sensações, e permitir-se descobri-los e explorá-los é o segredo para uma vida sexual com mais possibilidades de prazer. Quando abandonamos as amarras da heteronormatividade – a ideia de que relacionamento e tesão só existem entre homem e mulher –, as chances de gozo (de todos os tipos) se multiplicam. “A construção do que é sexo, em si, varia de acordo com as vivências de cada um.

    E, por infelizmente terem sido historicamente hiperssexualizadas, as pessoas LGBTQ se permitem explorar mais”, comenta a sexóloga Gabriela Vitor, que atende pessoas queer. Ela diz que a maioria de nós foi ensinada que o sexo está focado nos genitais, mas o cérebro é, na verdade, o principal órgão sexual.

    “Somos ensinadas que o sexo só existe de uma maneira. Explore sensações de prazer e entenda o que é orgasmo para você”

    Carla Ruiz, psicóloga e sexóloga

    Sexo é sobre explorar experiências novas”, resume a psicóloga e sexóloga Carla Ruiz, uma mulher lésbica. E, para isso, autoconhecimento e abertura são fundamentais, principalmente para as trocas serem significativas, independentemente dos corpos que as pessoas tenham.

    Para o terapeuta tântrico Daniel Bittar, que atende majoritariamente homens, trata-se de “desenvolver uma recepção erógena e afetiva” e entender que corpo e emoção fazem parte da mesma coisa. “Quando a gente se permite mergulhar nos nossos sentimentos e sensações corporais, nos abrimos para trocas, inclusive sexuais, mais intensas”, explica ele.

    Liberte-se dos tabus

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    O que você sente quando toca partes do seu corpo que nunca foram tocadas? (|Foto: Maressa Andrioli/CLAUDIA)
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    Essa tarefa nem sempre é fácil, mas um bom primeiro passo é desconstruir, pouco a pouco, os tabus que cercam o sexo e o prazer. Em nossa sociedade baseada na heteronormatividade e no binarismo (quem nasce com vagina é mulher e quem tem pênis é homem), eles são socialmente autorizados a acessar e realizar seus desejos, enquanto elas, desde pequenas, escutam que “tem que fechar as pernas”.

    De acordo com Bárbara Menêses, psicóloga especializada em sexualidade, é quando começamos a nos livrar desses preconceitos que nos libertamos. Em sua experiência clínica, o sexo anal é um dos maiores tabus. “É totalmente equivocada essa associação do sexo anal com o homem gay, porque não são apenas eles que o praticam e nem todo homem gay gosta de sexo anal”, diz Bárbara, que lembra que todos podem desfrutar da prática.

    Nesse caso, a homofobia leva a autocensura especialmente dos homens héteros, que deixam de experimentar novas sensações. “Muitos deles se excitam, por exemplo, com a estimulação do períneo, a região entre a base do pênis e o ânus, ou com toques nas nádegas, mas não se permitem explorar isso”, lamenta.

    E, apesar de a invisibilidade histórica e até científica do clitóris vir sendo derrubada nos últimos anos, o tabu sobre o prazer que o órgão proporciona persiste. “Nunca é demais reforçar a importância do toque e da atenção ao clitóris. É o melhor exemplo de que devemos pensar não apenas na vagina, em si, ou no ânus. Ele proporciona um bom exercício para explorar carícias”, diz Bárbara.

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    Como lembra Carla Ruiz, há uma tendência a se fazer “mais do mesmo” e seguir a heternormatividade no sexo até para quem faz parte da comunidade LGBTQ. Por isso, no caso de homens trans, por exemplo, o prazer clitoriano pode ser uma barreira. “A gente é ensinada que sexo só existe de uma maneira, mas vale a pena tocar a vulva, se masturbar, usar brinquedos. Explore sensações de prazer e entenda o que é orgasmo para você”, recomenda.

    O que de pior pode acontecer se você fizer isso e se permitir? Essa é a pergunta-chave que Bárbara faz aos seus pacientes. E a resposta, segundo ela, é simples: “O pior é você não gostar, mas, se não gostar, já sabe que não vai fazer.”

    Na quebra dessas regras inventadas, todos os profissionais batem na tecla imprescindível da comunicação e do consentimento entre todas as partes envolvidas: diálogo e respeito devem estar presentes o tempo todo, no corpo todo.

    Explore outras zonas

    Sexo
    É possível descobrir as mais variadas zonas erógenas, grande parte delas bem longe dos genitais. (|Foto: Maressa Andrioli/CLAUDIA)
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    Nessa investigação do corpo, com milhares de terminações nervosas que guardam múltiplos prazeres, é possível descobrir as mais variadas zonas erógenas, grande parte delas bem longe dos genitais. Prova disso é uma prática que quase todo mundo já fez, mas que hoje é conhecida como gouinage: sexo com beijo, lambida, fricção entre os corpos, mas sem penetração. Apesar de ser um termo que se popularizou na comunidade LGBTQ, ele é praticado por pessoas de qualquer orientação sexual.

    É nesse sentido que Daniel Bittar trabalha o tantra com seus alunos. “Foco na desenvoltura do sentir. Nós, homens, pelas questões históricas do patriarcado e do machismo, não nos permitimos sentir, principalmente para além dos genitais”, diz.

    Um dos exercícios que ele recomenda para todos os públicos é o chamado body scam, que nada mais é do que fazer carinho no próprio corpo, dos pés à cabeça. Você pode acender velas, incensos, usar cremes e óleos, ou nada disso. O principal é investir nesse autocarinho por pelo menos 10 minutos. “Pode fazer todo dia, antes de se masturbar. No começo, parece bobo, mas, com a prática, você vai desenvolvendo a sensibilidade de todo o corpo.”

    O body scam pode ser individual ou feito entre duas ou mais pessoas. “O objetivo é levar a consciência para cada cantinho que você tocou. Isso acaba liberando serotonina e ocitocina, hormônios de bem-estar que duram mais do que a endorfina, que é liberada durante e após o sexo”, acrescenta.

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    Engana-se quem pensa que uma troca intensa nesse nível só pode acontecer com uma parceria de longo prazo. Se você está desenvolta com o sentir da sua sexualidade, conhecendo seus pontos erógenos, o date do aplicativo ou o ficante de balada podem ser uma experiência sexual profunda e incrível. “Não tem nada a ver com uma relação romântica-amorosa, mas, sim, com estar presente no aqui e agora, fazendo a troca acontecer de forma gostosa. Transforme em um momento único, com potencial de virar uma das lembranças mais gostosas”, recomenda Bárbara Menêses.

    Vá além do orgasmo

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    O orgasmo não deve ser o objetivo-mor do sexo. (|Foto: Maressa Andrioli/CLAUDIA)

    Essas orientações são caminhos para mergulhar no prazer de outras formas, mas todos os especialistas ouvidos por CLAUDIA ressaltam que o orgasmo não deve ser o objetivo-mor do sexo. Beijos, cheiros e toques dos mais variados são fontes de gozo e eles não necessariamente precisam levar à ejaculação. “O prazer está em toda a experiência, não apenas no clímax. E o final do sexo não está no orgasmo. O contato pós-orgasmo também é fundamental, continue trocando carícias, esteja presente ali, no momento. Isso também é erotismo”, diz Bárbara.

    “O prazer está em toda a experiência, e o final do sexo não está no orgasmo. o contato pós também é fundamental”

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    Bárbara Menêses, psicóloga especializada em sexualidade

    Carla Ruiz destaca que, se pessoas com pênis se preocupam com o “desempenho”, principalmente para manter uma ereção, indivíduos com vulva, sobretudo mulheres, sentem a pressão do orgasmo. “É algo frustrante e muitas mulheres chegam ao consultório dizendo que não sabem se já sentiram um orgasmo e esperam uma explicação. Mas é realmente impossível descrever a sensação, porque cada corpo reage de um jeito.”

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    o autoconhecimento é o verdadeiro segredo do sexo. (|Foto: Maressa Andrioli/CLAUDIA)

    O segredo, segundo as fontes, é o autoconhecimento, a exploração do próprio corpo, a troca de toques com as outras pessoas e a libertação de conceitos pré-estabelecidos para viver o sexo de forma plena e saudável. Com muito prazer.

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