O que você sente quando toca partes do seu corpo que nunca foram tocadas? Eros se esconde e se revela numa miríade de lugares e sensações, e permitir-se descobri-los e explorá-los é o segredo para uma vida sexual com mais possibilidades de prazer. Quando abandonamos as amarras da heteronormatividade – a ideia de que relacionamento e tesão só existem entre homem e mulher –, as chances de gozo (de todos os tipos) se multiplicam. “A construção do que é sexo, em si, varia de acordo com as vivências de cada um.
E, por infelizmente terem sido historicamente hiperssexualizadas, as pessoas LGBTQ se permitem explorar mais”, comenta a sexóloga Gabriela Vitor, que atende pessoas queer. Ela diz que a maioria de nós foi ensinada que o sexo está focado nos genitais, mas o cérebro é, na verdade, o principal órgão sexual.
“Somos ensinadas que o sexo só existe de uma maneira. Explore sensações de prazer e entenda o que é orgasmo para você”
Carla Ruiz, psicóloga e sexóloga
“Sexo é sobre explorar experiências novas”, resume a psicóloga e sexóloga Carla Ruiz, uma mulher lésbica. E, para isso, autoconhecimento e abertura são fundamentais, principalmente para as trocas serem significativas, independentemente dos corpos que as pessoas tenham.
Para o terapeuta tântrico Daniel Bittar, que atende majoritariamente homens, trata-se de “desenvolver uma recepção erógena e afetiva” e entender que corpo e emoção fazem parte da mesma coisa. “Quando a gente se permite mergulhar nos nossos sentimentos e sensações corporais, nos abrimos para trocas, inclusive sexuais, mais intensas”, explica ele.
Liberte-se dos tabus
Essa tarefa nem sempre é fácil, mas um bom primeiro passo é desconstruir, pouco a pouco, os tabus que cercam o sexo e o prazer. Em nossa sociedade baseada na heteronormatividade e no binarismo (quem nasce com vagina é mulher e quem tem pênis é homem), eles são socialmente autorizados a acessar e realizar seus desejos, enquanto elas, desde pequenas, escutam que “tem que fechar as pernas”.
De acordo com Bárbara Menêses, psicóloga especializada em sexualidade, é quando começamos a nos livrar desses preconceitos que nos libertamos. Em sua experiência clínica, o sexo anal é um dos maiores tabus. “É totalmente equivocada essa associação do sexo anal com o homem gay, porque não são apenas eles que o praticam e nem todo homem gay gosta de sexo anal”, diz Bárbara, que lembra que todos podem desfrutar da prática.
Nesse caso, a homofobia leva a autocensura especialmente dos homens héteros, que deixam de experimentar novas sensações. “Muitos deles se excitam, por exemplo, com a estimulação do períneo, a região entre a base do pênis e o ânus, ou com toques nas nádegas, mas não se permitem explorar isso”, lamenta.
E, apesar de a invisibilidade histórica e até científica do clitóris vir sendo derrubada nos últimos anos, o tabu sobre o prazer que o órgão proporciona persiste. “Nunca é demais reforçar a importância do toque e da atenção ao clitóris. É o melhor exemplo de que devemos pensar não apenas na vagina, em si, ou no ânus. Ele proporciona um bom exercício para explorar carícias”, diz Bárbara.
Como lembra Carla Ruiz, há uma tendência a se fazer “mais do mesmo” e seguir a heternormatividade no sexo até para quem faz parte da comunidade LGBTQ. Por isso, no caso de homens trans, por exemplo, o prazer clitoriano pode ser uma barreira. “A gente é ensinada que sexo só existe de uma maneira, mas vale a pena tocar a vulva, se masturbar, usar brinquedos. Explore sensações de prazer e entenda o que é orgasmo para você”, recomenda.
O que de pior pode acontecer se você fizer isso e se permitir? Essa é a pergunta-chave que Bárbara faz aos seus pacientes. E a resposta, segundo ela, é simples: “O pior é você não gostar, mas, se não gostar, já sabe que não vai fazer.”
Na quebra dessas regras inventadas, todos os profissionais batem na tecla imprescindível da comunicação e do consentimento entre todas as partes envolvidas: diálogo e respeito devem estar presentes o tempo todo, no corpo todo.
Explore outras zonas
Nessa investigação do corpo, com milhares de terminações nervosas que guardam múltiplos prazeres, é possível descobrir as mais variadas zonas erógenas, grande parte delas bem longe dos genitais. Prova disso é uma prática que quase todo mundo já fez, mas que hoje é conhecida como gouinage: sexo com beijo, lambida, fricção entre os corpos, mas sem penetração. Apesar de ser um termo que se popularizou na comunidade LGBTQ, ele é praticado por pessoas de qualquer orientação sexual.
É nesse sentido que Daniel Bittar trabalha o tantra com seus alunos. “Foco na desenvoltura do sentir. Nós, homens, pelas questões históricas do patriarcado e do machismo, não nos permitimos sentir, principalmente para além dos genitais”, diz.
Um dos exercícios que ele recomenda para todos os públicos é o chamado body scam, que nada mais é do que fazer carinho no próprio corpo, dos pés à cabeça. Você pode acender velas, incensos, usar cremes e óleos, ou nada disso. O principal é investir nesse autocarinho por pelo menos 10 minutos. “Pode fazer todo dia, antes de se masturbar. No começo, parece bobo, mas, com a prática, você vai desenvolvendo a sensibilidade de todo o corpo.”
O body scam pode ser individual ou feito entre duas ou mais pessoas. “O objetivo é levar a consciência para cada cantinho que você tocou. Isso acaba liberando serotonina e ocitocina, hormônios de bem-estar que duram mais do que a endorfina, que é liberada durante e após o sexo”, acrescenta.
Engana-se quem pensa que uma troca intensa nesse nível só pode acontecer com uma parceria de longo prazo. Se você está desenvolta com o sentir da sua sexualidade, conhecendo seus pontos erógenos, o date do aplicativo ou o ficante de balada podem ser uma experiência sexual profunda e incrível. “Não tem nada a ver com uma relação romântica-amorosa, mas, sim, com estar presente no aqui e agora, fazendo a troca acontecer de forma gostosa. Transforme em um momento único, com potencial de virar uma das lembranças mais gostosas”, recomenda Bárbara Menêses.
Vá além do orgasmo
Essas orientações são caminhos para mergulhar no prazer de outras formas, mas todos os especialistas ouvidos por CLAUDIA ressaltam que o orgasmo não deve ser o objetivo-mor do sexo. Beijos, cheiros e toques dos mais variados são fontes de gozo e eles não necessariamente precisam levar à ejaculação. “O prazer está em toda a experiência, não apenas no clímax. E o final do sexo não está no orgasmo. O contato pós-orgasmo também é fundamental, continue trocando carícias, esteja presente ali, no momento. Isso também é erotismo”, diz Bárbara.
“O prazer está em toda a experiência, e o final do sexo não está no orgasmo. o contato pós também é fundamental”
Continua após a publicidadeBárbara Menêses, psicóloga especializada em sexualidade
Carla Ruiz destaca que, se pessoas com pênis se preocupam com o “desempenho”, principalmente para manter uma ereção, indivíduos com vulva, sobretudo mulheres, sentem a pressão do orgasmo. “É algo frustrante e muitas mulheres chegam ao consultório dizendo que não sabem se já sentiram um orgasmo e esperam uma explicação. Mas é realmente impossível descrever a sensação, porque cada corpo reage de um jeito.”
O segredo, segundo as fontes, é o autoconhecimento, a exploração do próprio corpo, a troca de toques com as outras pessoas e a libertação de conceitos pré-estabelecidos para viver o sexo de forma plena e saudável. Com muito prazer.