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A Sós: produtos eróticos complementam a renda (e o bem-estar)

Na A Sós, mulheres trabalham de porta em porta como representantes de produtos eróticos, multiplicando suas rendas – e ensinando sobre sexualidade feminina

Por Texto de Karina Sérgio Gomes com ilustrações de Anamaria Sabino
16 jul 2024, 08h00
Produtos de sexual wellness - sex toys
Jaqueline Nobre, 29, transformou a sua vida quando se tornou uma vendedora de produtos de sexual wellness.  (Anamaria Sabino/CLAUDIA)
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O casamento da vendedora Jaqueline Nobre, 29, estava meio morno. O marido, Jader, então tomou a iniciativa de comprar alguns artigos de bem-estar sexual para animar a relação. “Ele trouxe três produtos: uma pomada e dois géis para estimular o ponto G”, lembra Jaqueline. Animados com a novidade, Jader voltou outro dia para casa com um vibrador. “Eu nunca havia usado um vibrador na minha vida”, ressalta.

A chegada desses itens foi uma virada de chave na relação. Mas enquanto o relacionamento avançava numa curva ascendente, a vida financeira do casal enfrentava uma crise. Jaqueline trabalhava com vendas de empréstimos consignados e Jader, como cozinheiro. Foi quando o marido disse: “Por que você não vende esses produtos que a gente está usando?”. De imediato, ela rejeitou a ideia.

“Morria de vergonha de falar sobre sexo, imagine vender esses itens”, explica. “Nasci numa cidade de 20 mil habitantes, um interiorzão, onde não tinha informação”, afirma sobre Dianápolis (TO). Hoje, moram em Luziânia (GO).

Quando Jaqueline e Jader começaram a namorar, ela lembra que logo engravidou porque não sabia sobre como evitar a gravidez. Sexo sempre foi um tabu em suas conversas com a mãe. Ela não se via falando sobre o assunto com outras pessoas, ainda mais desconhecidas, de jeito nenhum.

Sem concordância sobre vender produtos de bem-estar sexual, ela buscou outras formas de ganhar dinheiro extra. Até se envolveu na venda de imóveis, mas nada trouxe uma renda efetivamente maior.

Em uma noite, esperando o marido voltar do trabalho, Jaqueline resolveu pesquisar sobre a marca dos produtos e acessórios que ela e o marido estavam usando e encontrou o site da A Sós. O primeiro detalhe que chamou sua atenção foi a comunicação discreta, que não apelava para tons fortes como vermelho e preto, nem imagens de chifres de diabinho ou símbolos de fogo, entre outros clichês do gênero.

Entre o aperto financeiro e a superação da vergonha, Jaqueline escolheu a segunda opção e inscreveu-se para se tornar uma consultora da marca. Em março de 2019, ela comprou o kit de 150 reais, parcelado em três vezes, a fim de fazer uma primeira demonstração de produtos. Para dar aquele empurrão que a esposa precisava, Jader marcou uma reunião em casa com uma colega de trabalho para Jaqueline fazer sua primeira consultoria.

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Quando a campainha tocou, não apareceu só a pessoa combinada, ela veio acompanhada pela mãe e a irmã. “Numa tarde de conversa com essas três mulheres, eu vendi o meu kit inicial, lucrando 300 reais e mais de 500 para pedidos futuros”, comemora. “Eu tinha um salário mensal de cerca de 980 reais. Num dia, eu havia lucrado quase o que eu levava um mês para ganhar”, relembra, emocionada.

Atualmente, Jaqueline é líder da A Sós e dá assistência a outras 300 vendedoras.

A Sós e a venda de porta em porta

A empresa foi fundada em 2008 por Paulo Arêdes. O empresário antes atuava no mercado automobilístico, instalando equipamentos de som. “Com a opção das montadoras em entregar os carros cada vez mais equipados, meu negócio começou a ir mal”, lembra.

Numa noite, em frente à TV com a esposa, Danielle, viu Jô Soares entrevistar uma mulher com uma mala vermelha. Ela sentou no sofá do programa, abriu o objeto e tirou de lá uma prótese de um pênis que colocou na mesa do apresentador.

Quando ela contou quanto faturava por mês vendendo vibradores, Paulo quase caiu para trás. Era muito mais do que ele conseguia com a empresa de equipamentos para carro. Danielle ficou empolgada com a possibilidade de aumentar o faturamento da família com o comércio de porta em porta dedicado ao prazer feminino.

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No dia seguinte, na academia, conversou com algumas mulheres perguntando se estavam interessadas em comprar produtos eróticos caso ela trouxesse para vender no vestiário. A recepção foi positiva, e pediu para o marido comprar alguns produtos para ela tentar vender.

Paulo contatou um fornecedor do Paraná e comprou 500 reais em produtos, sendo orientado pela empresa a remarcar os itens com um preço cerca de três vezes maior.

Danielle levou os óleos e os vibradores para a academia e vendeu tudo. “Os 500 reais viraram 2.500”, lembra. Danielle insistiu que ele fizesse mais uma encomenda. O marido ressaltou, entretanto, que ela poderia não ter o mesmo sucesso numa segunda vez. Mas novamente todos os produtos foram esgotados.

Sex toys - vibradores - sexual wellness
Paulo Arêdes, fundador da A Sós, teve a ideia para o seu negócio após ver uma entrevista com uma vendedora de produtos sexuais no Jô Soares. (Anamaria Sabino/CLAUDIA)

A secretária de Paulo começou a vender, a cunhada e uma vizinha também se interessaram em entrar para o negócio. “Sem perceber, eu estava montando um novo empreendimento”, conta. Inspirado pelas vendedoras de cosméticos, Paulo desenhou, num programa de design, um catálogo para que, caso as vendedoras não tivessem os produtos prontamente disponíveis, pudessem apresentar e aceitar encomendas.

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Segundo o levantamento da empresa de pesquisa e consultoria global Acumen Research and Consulting, de 2022, o mercado de bem-estar sexual foi avaliado em US$ 80,1 bilhões (cerca de R$ 405,3 bilhões) em 2021 e deve chegar a US$ 121,6 bilhões (R$ 615,4 bilhões) em 2030.

Durante o primeiro ano da pandemia de Covid-19, Paulo afirma que a A Sós chegou a crescer 300%. Em 2022, ele divulgou que a empresa teve um faturamento de 8 milhões de reais. No ano seguinte, houve uma queda entre 30% e 40%, mas ele afirma que “os números continuam interessantes”.

Para ganhar destaque no segmento, foi preciso uma transformação, já que o mercado era muito focado em homens. “Precisei passar por uma desconstrução. Abrir minha cabeça e entender que a mulher tinha que estar no centro desse negócio, porque elas estariam na linha de frente da empresa”, explica. “Eu me abri para ouvir o que essas mulheres queriam e necessitavam.”

Um dos principais diferenciais da A Sós são os cursos e treinamentos. “As pessoas têm pouquíssima educação sexual. É necessário que a nossa consultora entregue não apenas um produto, mas também um pouco de informação para os clientes”, aponta o empreendedor.

“Quando começamos a escalar o negócio, entendemos que não era sobre vender o produto, mas era sobre educar. Então, a gente passa a ter um batalhão de mulheres não vendedoras, mas educadoras sexuais.”

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O ponto G do conhecimento

Entre as mais de 5 mil consultoras está Wendy Palo, 43 anos, que hoje também lidera outras 382 consultoras. Antes de trabalhar com esses produtos, Wendy já era considerada pelas amigas mais próximas alguém que entendia do assunto.

Certo dia, acompanhou algumas delas em um sex shop e não gostou nada do atendimento. “Ninguém sabia explicar bem o uso dos produtos para nós. Saí de lá com a impressão de que um comércio desse poderia ser diferente”, lembra.

Formada em ciências sociais, Wendy tinha um emprego CLT, mas estava extremamente infeliz. Assim como Paulo, Wendy também assistiu à entrevista da senhora com a mala que saía para vender vibradores e afins.

Logo que saiu do sex shop com as amigas, lembrou da personagem do talk show. “Vou comprar uma mala e ter meu próprio sex shop”, disse para si mesma e pediu demissão.

Para entender o mercado, em 2015, visitou a Erótika Fair, um dos maiores eventos voltados para esse mercado. Na feira, conheceu a A Sós.

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Wendy sabia que era necessário fazer do seu atendimento um trunfo para o seu sucesso. A primeira lição que aprendeu com a A Sós foi encarar, sem vergonha, que era uma vendedora de produtos eróticos.

“Meu primeiro desenho de negócio estava focado na discrição. Elaborei algo tão discreto que não levava nem o meu nome. Parecia estar lidando com algo ilícito”, lembra, rindo. Tinha exagerado na medida.

Quando morava em São Carlos, interior de São Paulo, Wendy convocou as amigas para suas apresentações de produtos. “Eu sou uma pessoa que não teve educação sexual, mas um monte de gente também tem informação distorcida”, ressalta.

“Eu sabia onde era o clitóris, mas não sabia o formato, como funcionava e por que os produtos poderiam excitar determinadas regiões. Minhas amigas consideravam que eu sabia muito, mas a verdade é que eu não sabia nada.”

Mesmo participando de todos os treinamentos oferecidos pela A Sós, Wendy sentia que precisava saber mais e buscou uma especialização em educação sexual. “Ao final do curso, eu percebi que já tinha o conhecimento. O que havia rolado, na verdade, era uma crise de impostora.”

Uma pesquisa encomendada por O Boticário e conduzida pela consultoria Think Eva, em 2023, aponta que 32% das entrevistadas não sabiam o que eram zonas erógenas — partes que, se estimuladas, podem proporcionar prazer sexual.

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Segundo o levantamento da empresa de pesquisa e consultoria global Acumen Research and Consulting, de 2022, o mercado de bem-estar sexual foi avaliado em US$ 80,1 bilhões (cerca de R$ 405,3 bilhões) em 2021 e deve chegar a US$ 121,6 bilhões (R$ 615,4 bilhões) em 2030. (Anamaria Sabino/CLAUDIA)

Wendy viveu uma das cenas mais emocionantes da sua vida após um treinamento para novas consultoras, entre elas uma senhora que parecia bem mais velha. A líder mostrou uma imagem com a anatomia da vulva, que elas deveriam apresentar e explicar para as clientes.

Cinco dias depois, a terapeuta recebeu um vídeo daquela senhora. A cena acontecia numa cozinha bem simples. A consultora estava rodeada de mulheres da mesma idade e explicava o que era o clitóris.

“Isso é transformação. O produto é uma desculpa — claro que gera renda para as mulheres —, mas a magia do negócio está na informação que você transmite e chega a lugares que nem imagina.”

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